Efraim Rodrigues (*)
A coisa toda começou com um cara rústico, coberto de pêlos, daqueles que freqüentam os programas de antropologia na TV a cabo. Há muitos milhares de anos, ele aprendeu pela primeira vez, a dominar o fogo. Este invento mudou a vida do homem mais do que qualquer outro até então. Possivelmente até hoje também.
O cozimento foi um dos primeiros usos que nossos antepassados fizeram do fogo, e muito mais do que um simples conforto, há quem diga que esta tecnologia permitiu que geração após geração, a mandíbula humana fosse se reduzindo, e abrindo espaço para o cérebro. Principalmente as partes responsáveis pelo raciocínio mais elaborado.
Nós somos hoje a civilização do fogo. Já fomos mais, mas mesmo hoje, ainda dependemos muito dele. Por isso este desespero todo que vemos esta semana no mercado internacional de petróleo, ante o plebiscito na Venezuela, bagunça no Iraque e impossibilidade da Arábia Saudita aumentar ainda mais sua produção. Sem petróleo não tem motor a explosão, não tem aquecimento, não tem fogo !
Nós dominamos o fogo por milhares de anos depois de sua invenção. Aprendemos a fazer movimento com ele, com a máquina a vapor e depois com o motor a explosão. Aprendemos a gerar energia, aquecer casas no frio, aprendemos a transportar a matéria prima por centenas, milhares de quilômetros para espalhar o benefício da chama por todo o globo. E depois de domina-lo de todas as formas, viramos seus dependentes.
O uso intenso que fazemos de combustíveis fósseis e de produtos madeireiros, está aquecendo o planeta, e as conseqüências disto já saíram da esfera do acadêmico para o sensível. Não é mais necessário estudar os dados do tal sensor colocado no Havaí, no meio do Oceano Pacífico, para vermos a confusão de estações que vivemos. Além do acúmulo de gás carbônico no ar, que torna a Terra um ambiente parecido com um carro trancado no sol, a queima de madeira implica na redução da quantidade de árvores, que estariam recebendo a radiação solar, e aumentando a quantidade de água na atmosfera. Estamos trocando isto por fumaça, literalmente falando. E somos tão dependentes que não conseguimos parar de faze-lo, mesmo sabendo que estamos enterrando nosso planeta.
A simbologia que o fogo tem em nossa vida é poderosa. Eu imagino até que o prazer que algumas pessoas têm em fumar, especialmente no começo, quando seu cérebro ainda não foi escravizado pela nicotina, seja resultado deste aparente domínio sobre o fogo que o fumante tem. É como se ele dissesse, – Veja mamãe, eu seguro o fogo em minhas mãos, eu até o coloco na boca e nada acontece! (por enquanto, pelo menos).
A grande novidade desta semana em relação a fogo, é que o Daniel Nepstad, do Instituto Woods Hole, pesquisador reconhecido da área, resolveu colocar fogo em uma área equivalente a cem campos de futebol (300 ha) em Querência, Mato Grosso do Sul. E o mais interessante; ele não trocou de lado, não virou pecuarista, nem plantador de soja. Nesta área, o Daniel está colocando fogo de maneira controlada, depois de uma série de avaliações na área, para conhecer precisamente os mecanismos de destruição do ecossistema pelo fogo. Ao mesmo tempo, a NASA estará utilizando seus satélites para ver como a coisa se parece de cima. É que ele (junto com toda a torcida do flamengo) desconfiam que os índices de degradação de florestas obtidos por imagens de satélite subestimam a realidade. Este foguinho rasteiro que está sendo feito em Querência, por exemplo, aparecerá no satélite ?
Leia o próximo capítulo desta saga na prestigiosa revista Nature, onde o Daniel costuma publicar suas descobertas científicas. Mas principalmente faça alguma coisa que reduza a quantidade de fogo que vocês usa diariamente. O resto do planeta, e os seus filhos (e os amigos deles também) agradecem.
* É Ph.D. em Ecologia pela Harvard University, professor adjunto de Recursos Naturais da UEL e autor do Livro Biologia da Conservação.