Uma outra visão de biodiversidade

Cíntia Barenho (*)

Há mais de um ano, o Brasil foi sede da Conferência das Partes da Convenção da Diversidade Biológico (COP 8), evento que reuniu mais de 100 países em discussões em torno do tema da manutenção, conservação e preservação da biodiversidade planetária. Mesmo sediando importantíssimo debate, em nosso país, parece que pouco mudou.

Num momento em que a crise socioambiental está mais do que posta, em que
dezenas/centenas de estudos confirmam as mudanças climáticas e suas conseqüências para fauna, flora e é claro, para nós humanos, o Brasil, ao invés de avançar, está retrocedendo em muitos pontos.

A apropriação privada da natureza está cada vez mais posta em nosso país. Seja através das obras tão “comemoradas” do PAC (obviamente para os detentores do capital), nas quais se destaca a tal transposição dos São Francisco, a ampliação das hidrelétricas; seja através dos projetos de desenvolvimento socioeconômico, como as monoculturas de árvores exóticas no solo gaúcho. Exemplos típicos de que a manutenção e preservação da biodiversidade e as mudanças climáticas não estão preocupando muito os “nossos” detentores do poder.

A natureza, os elementos naturais são vistos e transformados em mercadorias, ou ainda como objetos de troca em busca do lucro (ou seja, são recursos naturais). Fato que já era denunciado no início do desenvolvimento do capitalismo por Karl Marx – todo o espírito da produção capitalista, orientado para o lucro monetário imediato, está em contradição com a agricultura – por que não dizer, em contradição com a natureza como um todo. O lucro, o imediatismo em primeiro lugar, depois se pensa no futuro (que já não está tão longe assim), nas questões relativas ao meio ambiente.

Marx considerava a “natureza como corpo inorgânico do homem” (e, certamente
das mulheres), conseqüentemente extensões do nosso corpo, da qual dependemos e necessitamos. A Natureza não é só onde o homem desenvolve sua práxis, mas a totalidade de Tudo que existe.

O capitalismo se apropriou da natureza de tal forma, que esse Tudo, ficou efetivamente distante de nós, e pouco se vê mecanismos para com que voltemos a nos relacionar com esse Tudo-Todo.

Pensemos a “tão sonhada” expansão das monoculturas de eucalipto no RS, contraria qualquer finalidade de preservação, conservação e manutenção da biodiversidade. Ao invés de nos empenhar para manter nossa biodiversidade, poder público e poder econômico “pensam” somente nas variáveis econômicas. E ainda quando sai o Zoneamento Ecológico para tal atividade, este é rechaçado, pois restringe a atividade ao considerar “apenas” a questão ambiental.

E Marx nos alertou que o cada progresso da agricultura capitalista (monoculturas de eucalipto são atividades agrícolas, ou melhor, agrobussines) não é só um progresso da arte de saquear o solo, pois cada progresso no aumento da fertilidade por certo período é simultaneamente um progresso na ruína das fontes permanentes dessa fertilidade. E ainda que a produção capitalista só desenvolve a técnica e a combinação do processo de produção social ao minar simultaneamente as fontes de toda a riqueza: a terra e o trabalhador.

Pensar biodiversidade mais do que nunca tem que passar pelo pensar econômico, político, social. Pensar que a variável biodiversidade precisa ser considerada no planejamento e desenvolvimento da agricultura, indústria e até mesmo obras públicas.

Há a necessidade de “uma completa revolução em nossa maneira de produzir e, ao mesmo tempo, de toda a ordem social atualmente dominante”, também nos expôs Engels.

Enfim, certamente que Marx, Engels não eram ambientalistas, longe disso, pois suas preocupações eram outras, porém suas idéias estimulam pensarmos que é possível promover uma ruptura com a ideologia produtivista do progresso, reorientando esse progresso à preservação e conservação da diversidade biológica, e também cultural. E, através deste poderemos produzir novas relações entre os humanos e natureza, e gerando assim, a superação do sistema capitalista produtor de mercadorias antes que ele destrua todas as nossas “naturezas”.

* É bióloga, mestranda em Educação Ambiental (FURG) e integrante do Centro de Estudos Ambientais (CEA).
cintia.barenho@gmail.com