A contaminação das águas de rios, lagos e lagoas do país quintuplicou nos últimos 10 anos, segundo o relatório O Estado Real das Águas no Brasil – 2003/2004, divulgado nesta quarta-feira (22) pela CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. O estudo foi elaborado pela Defensoria das Águas – instituição que tem no seu conselho representantes do Ministério Público Federal, CNBB, Universidade Federal do Rio de Janeiro e Cáritas.
O relatório foi feito a partir do mapeamento de 35 mil denúncias de agressão ao meio ambiente e ações civis públicas transitadas em julgado. A principal fonte de contaminação do meio ambiente no país, diz o estudo, é o despejo de material tóxico proveniente das atividades agroindustriais e industriais.
Os pesquisadores apontam 20 mil áreas contaminadas no Brasil, com populações expostas a riscos de saúde. Dentro dos próximos 10 anos, diz o documento, a escassez de água para consumo humano nas regiões metropolitanas do Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte vai se agravar “profundamente”, atingindo mais de 40 milhões de pessoas. “É impressionante o nível de contaminação das águas. Temos uma excelente legislação ambiental, mas o Estado não está aparelhado para enfrentar estas questões”, afirma o procurador da República Alexandre Camanho, um dos colaboradores da Defensoria.
O estudo critica o “descaso” do governo de São Paulo ao construir um parque público em cima de área contaminada, nas margens da Lagoa de Carapicuíba. Em Minas Gerais, o estudo destaca como ponto negativo a grande exploração das águas em São Lourenço. No Rio de Janeiro, o relatório aponta como bom exemplo de iniciativa pública o projeto de lei do governo para indenizar as vítimas e recuperar a área em Duque de Caxias, onde a Funasa – Fundação Nacional de Saúde mantém 400 mil toneladas de lixo tóxico. Segundo o estudo, 30% da população urbana de Manaus (AM) não tem acesso à água.
Na Região Sul, avança a degradação das águas pela contaminação das atividades agrícolas e industriais, com destaque para a suinocultura no oeste de Santa Catarina, a falta de controle ambiental do Paraná sobre as indústrias do Pólo Industrial Araucária e o “descaso” do Rio Grande do Sul com a contaminação do meio ambiente em Sapucaia do Sul.
O estudo considera negativa a aprovação de uma lei em Goiás que abre a possibilidade comercialização e exportação de excedentes de produção de água superficial e subterrânea. Outro ponto negativo é a falta de controle de despejo de agrotóxicos com o uso de aviões em Mato Grosso do Sul, que contaminam os rios.
A criação da ANA – Agência Nacional de Águas, diz o estudo, nada contribuiu para o acesso da população à água. A ANP – Agência Nacional do Petróleo ocupa o 11º lugar na lista de instituições mais denunciadas pela omissão quanto ao controle ambiental para liberação de novos postos de combustíveis. A assessoria da ANP informou no Rio de Janeiro (RJ) que a liberação só é feita após autorização dos órgãos ambientais competentes.
Entre os casos graves de contaminação das águas envolvendo a Petrobrás – Companhia Integrada de Petróleo, o estudo aponta o vazamento de mercúrio e arsênio no Rio Iguaçu, no Paraná pela extração de óleo de xisto, o depósito de material tóxico no Aterro Mantovani, em São Paulo, e a falta de licenciamento ambiental para a construção do Gasoduto Paulínia-Rio.
O gerente geral de Segurança e Meio Ambiente da Petrobrás, Ricardo Azevedo, informou no Rio que a empresa não é co-responsável por resíduo não processado por terceira empresa no Aterro Mantovani (SP). O Ministério Público colocou a Petrobras como co-responsável, disse Azevedo, mas a empresa contesta. No Rio Iguaçu (PR), a contaminação por mercúrio foi na área interna da unidade da empresa, disse ele. Quanto ao licenciamento ambiental do gasoduto, ele afirma que a Petrobrás não faz esse tipo de obra sem autorização.
A Defensoria alerta para o crescimento da contaminação da água do mar. O despejo de esgotos na região costeira do país representava há dez anos a poluição de cinco quilômetros da costa e hoje os vestígios de emissão de esgotos nas águas oceânicas já atingem até 50 quilômetros da costa.
No litoral sul de Santa Catarina há 10 anos um pescador capturava até 100 quilos de camarão por dia e hoje não consegue pescar mais que dois quilos. Além da expansão da produção do camarão em cativeiro, o estudo diz que o aterro artificial para a construção da Rodovia BR-101 eliminou a passagem das águas do oceano para as lagoas Imaruí, Mirim e Santo Antônio. O relatório da Defensoria será entregue às Nações Unidas e ao Vaticano.
O diretor presidente da ANA, Jerson Kelman, afirmou que a agência contribuiu sim para o acesso à água. Segundo Kelman, a ANA ajudou a evitar racionamento de água no Rio de Janeiro e em São Paulo, com intervenções que evitaram conflitos. “Não fosse a ANA, o Sistema Cantareira, que abastece São Paulo, estaria ameaçado”. (JB Online)