Há pouco tempo participei de uma discussão sobre a reformulação da grade curricular do curso de graduação em Oceanografia, no qual sou professor. Entre outros argumentos para as mudanças estavam: as necessidades de atualização do curso e a adequação do oceanógrafo recém-formado ao mercado de trabalho. Aqui organizo algumas idéias sobres esses dois pontos bastante importantes, que entendo devam ser tratados de forma distinta. Porém, em ambos casos, deve estar claro, que se deseja é alterar o quadro de disciplinas da Oceanografia e não a Oceanografia em si. A Oceanografia é uma ciência, que se faz com conhecimento, sendo que sua reformulação vem acontecendo de forma natural, lentamente desde seu nascimento, seguindo seus próprios caminhos, a seu ritmo.
Por que alterar o quadro de disciplinas? Uma argumentação deve-se à questão do tempo que se leva para formar um oceanógrafo. Hoje, existe uma tendência de encurtar os cursos de graduação em geral, inclusive a Oceanografia. Entendo que, em certa parte, isso se deva à grande disponibilidade de informação, hoje ao alcance dos alunos. Os recursos educacionais são mais abrangentes e se pode atingir o mesmo objetivo em menor tempo.
Outro fator está ligado à disponibilidade, também hoje, maior de cursos de pós-graduação que vão focalizar o conhecimento e especializar os oceanógrafos. Com isso, pensa-se em na redução de cinco para quatro anos ou quatro anos e meio. Curiosamente, há vinte anos, quando me formei, os cursos de Oceanografia eram de quatro anos. Passaram para cinco com a inclusão do trabalho de conclusão que antes não era obrigatório, pelo menos na Universidade do Rio Grande. Mesmo na educação, as coisas vão e vêm como na moda, embora por motivos diferentes.
A adequação deve ser feita também por causa da evolução da ciência. No início, a Oceanografia focava a descrição dos oceanos, sua morfologia e correntes, no sentido de favorecer as navegações. Assim, existia um componente forte da física e da geologia. Nessa época, a Oceanografia estava intimamente ligada à navegação, fosse ela mercantil ou militar. A ciência oceanográfica tomou novos rumos com uma questão ecológica: afinal, por que se pescava mais em certos lugares que em outros? Para responder a essa pergunta, os oceanógrafos foram buscar na biologia e na química as respostas. Daí a ciência passou a ter uma vertente ecológica bastante evidente. Surgem os modelos de produção primária dos oceanos, a importância da reciclagem de nutrientes e dos padrões de circulação e sua estrutura física para explicar a distribuição de riquezas explotáveis. Essa abordagem a caracterizou ainda mais como ciência interdisciplinar, que buscava na geologia, na física, na química e na biologia suas fontes.
A tecnologia veio suprir, de forma acelerada, a limitação biológica do seu humano para perceber o ambiente aquático: equipamentos de mergulho, submarinos, amostradores variados e, recentemente, o revolucionário uso do sensoriamento remoto. Com a tecnologia partiu-se para solução de novos problemas, de ordem global, tais como as eminentes questões do fenômeno El Niño e o aquecimento da terra. Afinal, os oceanos podem ou não absorver o excesso de CO2 atmosférico, está ou não seu nível médio se elevando?
Hoje, para responder às perguntas, o oceanógrafo precisa saber ainda mais da física dos oceanos, da geologia, da química, da biologia, assim como também utilizar as novas ferramentas tecnológicas para compreender os fenômenos em uma escala global.
Como proceder a alteração no quadro de disciplinas para atender essa demanda? No meu entender, não existe nenhum motivo para abandonar as disciplinas básicas (biologia, química, geologia, física) que sustentam a oceanografia e sim agregar novos paradigmas para interpretação dos fenômenos.
Há um tempo atrás o oceanógrafo observava os fenômenos em uma escala quase pontual e instantânea. Hoje, porém, com os recursos tecnológicos, pode dar mais sentido à palavra dinâmica e aumentar em muito seu poder de observação no tempo e espaço. Seria como usar o cinema (movimento) em vez da fotografia para se retratar a natureza. É nesse sentido acho que as mudanças no quadro das disciplinas devem ser encaminhadas, uma nova linguagem para os mesmos fenômenos.
Quanto ao outro ponto, à questão mercado, esse deve ser analisado com muita cautela. Falando-se em mercado, talvez possamos utilizar como modelo, seu ambiente mais exacerbado, ou seja, a bolsa de valores. É lá que ele mostra toda sua simplicidade reducionista, a da oferta e procura, ao mesmo tempo toda complexidade, de ganhar e perder muito dinheiro. Claro que quando se fala em mercado de trabalho para jovens profissionais, não se pensa na bolsa de valores, a comparação é apenas ilustrativa.
Como regra básica, tem-se que, a menos que você saiba muito bem o que está fazendo, o investimento em bolsa deve ser de longo prazo. Assim, qualquer alteração de um quadro de disciplinas, hoje, só se fará sentir em quatro ou cinco anos, no mínimo. Isto partindo do principio que não se pode ou se deve ficar mexendo nas disciplinas como fazem os aplicadores mais ansiosos e ousados da bolsa de valores. Os corretores da bolsa são os caras que sabem (ou juram que sabem) que estão fazendo. Pessoas que ganham fortunas da noite para o dia, que também perdem, mas que não se assustam com isso, verdadeiros jogadores. E como jogadores, não acreditam no acaso, fazem uso deste para seu benefício. Para desempenhar suas funções os corretores estão muito ligados no que está acontecendo na economia, sejam fenômenos de curto ou longo prazo.
Voltando à Oceanografia, pensando no futuro, seria necessária a elaboração de um estudo aprofundado, de como será o mercado para oceanógrafos em 5 ou 10 anos. Após esse estudo, as mudanças deveriam ser feitas, porém não antes de se definir qual o tamanho do risco que se está disposto a correr. Afinal, trabalhar com mercado é assumir riscos, mais ainda quando se trata de mercado futuro de realizações profissionais.
Existe ainda um outro fator que não se deve desprezar nesta análise. Há tempos, algumas profissões eram sucesso econômico garantido. Hoje isso não é assim. Claro que existem profissões em que se têm uma grande demanda, que varia de tempos em tempos, devido a todo um contexto.
O fato é que, como hoje, diploma não é sinônimo de sucesso para qualquer profissão, tem que se investir na pessoa. Indivíduos capazes, seguros, preparados, inteligentes, etc. têm chances de bom desempenho qualquer que seja o caminho que tomem. Além dos conhecimentos acadêmicos, deve-se investir em questões fundamentais, tais como ética, amor, amizade, tolerância, respeito entre outros.
Pode-se ainda considerar que, não necessariamente, a análise de mercado não deva ser simplesmente aquela fria do investidor que deseja apenas o lucro imediato. Mesmo na bolsa de valores, cresce a cada dia o número dos chamados investidores éticos; são aqueles que estão preocupados onde seu dinheiro vai ser aplicado, se em empresas que fabricam armas, causam poluição, se beneficiam da pobreza de outros países, etc.
Falar de mercado de trabalho é uma coisa necessária, mas confesso que me causa certa angústia. Com a globalização e internacionalização dos investimentos, pode-se dizer que no Brasil existe um grande mercado para um trabalho técnico, que vai aplicar uma tecnologia desenvolvida em algum outro lugar, cara e muitas vezes velada em uma caixa preta. Para esta mão de obra, o mercado é promissor, assim com é para aqueles que desenvolvem tecnologia. Quando eu era pequeno havia um comercial na televisão em que um porco perguntava ao um porquinho: “Meu filho, o que você vai ser quando crescer? Ele, com uma voz cheia, encorpada, respondia orgulhoso “Salsicha da Frigor Eder!”
A universidade deve zelar não só a inserção de seu egresso na sociedade como profissional, e assim propiciar retorno ao investimento pessoal dos alunos e suas famílias, mas também em atender outro de seus papéis: ser compromissada com o país, seu desenvolvimento, independência e soberania.
Cabe à universidade formar em seus cursos de graduação, pessoas que sejam criativas e capazes de conquistar seu espaço. No momento em que vivemos, os oceanógrafos devem moldar o mercado e não vice-versa. É preciso criar oportunidades sem exercer o oportunismo de forma imediatista. Em um país em crescimento, rico, que busca a justiça social e possui um mar extenso como o do Brasil, haverá lugar para bons profissionais de Oceanografia. Ainda por que, a Oceanografia é bem maior do que o mercado de trabalho para oceanógrafos. Navegar neste mar é sim um desafio preciso, além de uma imprecisa aventura.
Luis Antonio de Oliveira Proença – Professor e pesquisador da Universidade do Vale do Itajaí (Univali)
E-mail: divulga@cttmar.univali.br
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