Estudo realizado na Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp investigou a incidência de ocratoxina A em sucos de frutas, cereais e cerveja, produzidos e comercializados no país. Produzida por fungos dos gêneros Aspergillus e Penicillium, a ocratoxina A é produzida naturalmente e considerada altamente nociva à saúde humana, desde que ingerida em excesso. A pesquisadora responsável por esse estudo, doutoranda Ana Paula Vieira, do Departamento de Ciências dos Alimentos, afirmou que o objetivo do trabalho foi o de avaliar a presença da micotoxina A em produtos cujo consumo é bastante elevado. “Analisamos várias amostras produzidas de locais diferentes do Brasil como forma de fazer um estudo abrangente”, disse ela.
Foram analisadas centenas de amostras
Com relação à cerveja, Ana Paula esclareceu que foram analisadas 123 amostras, sendo 94 de cerveja tipo pilsen e 29 de cerveja escura, coletadas no período de dezembro de 2003 a março de 2004, na região de Campinas. As amostras, segundo ela, eram provenientes de fábricas de 16 localidades de cinco estados brasileiros (Pará, Paraíba, Paraná, Rio de Janeiro e São Paulo) e correspondiam a 24 marcas de 10 fabricantes. Dessas 123 amostras, apenas cinco, todas do tipo pilsen, apresentaram teores de ocratoxina A que variaram de 1 a 18 ng/mL. De acordo com o Joint FAO/WHO Expert Commitee on Food Additivies (JECFA), órgão europeu que legisla sobre o assunto, a ingestão máxima tolerável de ocratoxina A é de 100 ng/kg de peso corporal. “Os grandes consumidores de cerveja produzida no Brasil, que ingerirem de 600 a 1.300 mL/dia, não correm risco com relação à sua saúde”, afirma Ana Paula.
Sucos e cereais – Foram analisadas 144 amostras de sucos de frutas e 80 amostras de cereais. Com relação aos sucos, a pesquisadora esclarece que foram analisadas 31 amostras de abacaxi, 29 de laranja, 49 de maracujá e 35 de uva, todas provenientes de fábricas situadas em 29 localidades diferentes, distribuídas em nove estados brasileiros (Alagoas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, Sergipe e São Paulo). “As amostras foram coletadas entre abril de 2003 a janeiro de 2004, em diversos estabelecimentos comerciais da cidade de Campinas (SP)”, disse Ana Paula.
Consumidos em larga escala, a cevada, o centeio e a aveia foram os objetos de estudo na categoria cereais. A pesquisadora coletou 28 amostras de cevada, 22 amostras de centeio e 30 amostras de aveia de 11 marcas diferentes, no período de maio a outubro de 2004, provenientes de fábricas situadas em seis localidades dos estados do Paraná, Rio Grande do Sul e São Paulo. “O levantamento realizado não evidenciou a presença de ocratoxina A tanto nos sucos quanto nos cereais”, completou.
Ana Paula alerta que, apesar da pequena incidência de micotoxina A nas cervejas analisadas, é preciso estar atento uma vez que o nível de contaminação na cerveja pode aumentar ou diminuir dependendo do uso de adjuntos durante sua fabricação. “Algumas condições, como temperatura, umidade e armazenamento favoreceram a presença de fungos nos produtos alimentares, porém no caso da cerveja não foi possível detectar onde essas condições foram favoráveis, por isso o controle de qualidade é fundamental”, afirmou ela.
Uma das hipóteses levantadas pela pesquisadora é a de que a ocratoxina A pode persistir durante o processo de maltagem na fabricação da cerveja, quando empregados os adjuntos durante sua fabricação, como o trigo, o centeio ou a cevada, por exemplo, que podem estar contaminados e, ao serem adicionados ao processo de fabricação, podem carregar a toxina para o produto. “A eliminação da ocratoxina A só é possível a altas temperaturas, algo em torno de 200ºC. Trata-se de uma molécula moderadamente estável e pode ser encontrada nos alimentos após processamento. A temperatura de fabricação da cerveja não atinge essa temperatura”, explica.
Ana Paula faz questão de ressaltar que os índices encontrados nas cervejas brasileiras não representam perigo à saúde humana. Ela reforça a tese de que o controle de qualidade na indústria deve ser bastante rigoroso, não só na parte de higienização e limpeza, mas também na parte de controle de desenvolvimento fúngico.
Um exemplo citado por ela é o café, que também apresenta a incidência de ocratoxina A. Como o café é um produto de exportação e os importadores são muito rígidos no controle da quantidade dessa toxina, o cuidado na produção, armazenamento e transporte do café é rigoroso. “É lamentável que o Brasil ainda não possua uma legislação específica para o controle dessas toxinas”, comenta Ana Paula.
Segundo a pesquisadora, é importante deixar claro que a presença de micotoxinas em alimentos está relacionada a fatores climáticos e outros fatores de crescimento, como armazenamento inadequado, que influenciam a produção destes metabólitos secundários produzidos por fungos. A incidência das micotoxinas é sazonal, ou seja, considerando-se a mesma região, é possível encontrar o produto contaminado em uma safra e, na próxima, não, devido a flutuações de ano para ano.
A defesa de tese de doutorado de Ana Paula Vieira, intitulada Avaliação da presença de ocratoxina A em alguns alimentos e bebidas nacionais e orientada pela professora Lúcia Maria Valente Soares, ocorreu na Faculdade de Engenharia de Alimentos. (Jeverson Barbieri / Jornal Unicamp)