Eventos climáticos extremos, como secas induzidas pelo aquecimento global e pelo desmatamento, podem dividir a Amazônia em duas e transformar em cerrado uma área de 600 mil quilômetros quadrados. O alerta é de pesquisadores da Universidade Harvard, nos Estados Unidos. Eles fizeram um mapa das áreas mais sensíveis da floresta à seca, usando os registros de precipitação dos últimos cem anos.
O grupo de cientistas, liderado por Lucy Hutyra, descobriu que uma faixa de mata correspondente a 11% da área da floresta, que vai de Tocantins à Guiana e atravessa a região de Santarém (Pará), tem padrões de precipitação mais semelhantes aos do cerrado. Essa seria a primeira zona a “tombar” caso se confirmem cenários propostos de “savanização” (conversão em cerrados) da Amazônia.
“Não que isso vá com certeza acontecer”, adverte Hutyra. “Mas essa área está andando no fio da navalha. As florestas ali parecem saudáveis, mas têm freqüências de seca mais altas”, afirma a cientista, que é afiliada ao LBA (Experimento em Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia) e faz suas pesquisas na região de Santarém.
Apesar de o estudo ter constatado que secas anômalas não são freqüentes no registro amazônico – o que, a princípio, é uma boa notícia -, a região mapeada pelo grupo tem uma tendência a possuir 10% a mais de meses com água insuficiente que outras regiões da floresta. Para dar uma idéia, em áreas de cerrado esse número sobe para 30%.
Essa “Amazônia seca” possui vegetação com maiores índices de evapotranspiração, e seus solos tendem a ficar mais secos durante os meses sem água do que solos de regiões muito úmidas, como a de Manaus por exemplo.
Isso a torna muito mais vulnerável a incêndios florestais, o principal agente de conversão de floresta em savana. Fatores que alterassem a freqüência de chuvas nessa região – produzindo, digamos, uma seqüência de anos mais secos – poderiam mudar também a cobertura vegetal, para um estado no qual os cerrados tomariam conta e a floresta não poderia retornar, mesmo depois que o clima voltasse ao normal.
Os cientistas sabem que um desses fatores é o desmatamento, já que boa parte das chuvas na floresta tropical são geradas dentro da própria mata, por evaporação de água do solo e das folhas.
Outro fator é o aquecimento global. Um cálculo famoso feito no começo da década por Peter Cox, do Escritório de Meteorologia do governo britânico, estimava que toda a Amazônia poderia entrar em colapso devido ao aumento da temperatura da Terra. O modelo foi considerado exagerado, mas, em um estudo publicado há dois anos, Carlos Nobre e Marcos Oyama, pesquisadores do Inpe – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, estimaram que o desmatamento e o aquecimento poderiam converter até 60% da Amazônia em cerrado.
O estudo de Hutyra, que saiu em dezembro no periódico “Geophysical Research Letters” (www.agu.org/pubs/crossref/2005/2005GL024981.shtml), confirma e detalha o modelo de Oyama e Nobre. “Nos estudos anteriores nós não podíamos dizer que papel uma, duas ou três secas fortes tinham na conversão da vegetação ali”, disse Nobre, que está trabalhando em colaboração com Hutyra e seu orientador em Harvard, Steven Wofsy.
Terceiro fator – Segundo o cientista do Inpe, a variabilidade natural da floresta é o terceiro fator de propensão à savanização, que se soma aos efeitos independentes da mudança climática e do desmatamento.
Os cientistas agora correm contra o clima e as motosserras para tentar responder a três questões: em que temperatura essa parte da floresta viraria cerrado, quanto de desmatamento dispararia a mudança e que aumento de freqüência de secas afetaria a savanização. “Para a primeira nós já temos uma idéia; é qualquer coisa na ordem de 3C”, diz Nobre.
As outras duas ainda dependem de modelos climáticos que consigam captar a imensa complexidade da Amazônia. Nobre sabe que a tarefa não é simples. “Até hoje, por exemplo, não provamos se em uma área desmatada as chuvas aumentam ou diminuem.” (Claudio Angelo/ Folha Online)