O juiz da 1ª Vara Federal, seção de Roraima, Helder Girão Barreto, mandou suspender quaisquer ações promovidas pela Funai e outros, que visem retirar produtores de arroz das áreas que ocupam. As liminares foram concedidas em ações propostas pelos agricultores Nelson Massami Itikawa e Napoleão Antônio Zeolla Machado. A decisão é válida até que a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol seja definitivamente resolvida pelo Poder Judiciário.
A decisão do juiz foi dada na ação interposta através do advogado Valdemar Albrecht, na qual sustenta a nulidade do processo administrativo de demarcação da terra indígena. O juiz foi incisivo ao declarar que a União, Funai e Incra abstenham-se de “…expulsar, retirar ou de qualquer outro modo, forçar ou permitir a desintrusão/expulsão dos arrozeiros”. Ele definiu ainda multa diária de R$ 50 mil a ser paga em caso de descumprimento.
Nas razões de decidir, o juiz disse ser verossímil a alegada nulidade do processo administrativo de demarcação da reserva indígena, tanto no aspecto formal quanto no material, bastando registrar que a prova pericial já produzida em juízo, concluiu que o laudo antropológico que embasou a demarcação é falso material e formalmente. O relatório do ex-ministro Nélson Jobim, feito após visitar a terra indígena em 1996, também foi considerado pelo magistrado.
No relatório, o então ministro da Justiça declara que a área a ser delimitada não atingia as margens dos rios Tacutu e Surumu. “Os espaços físicos não são imprescindíveis para preservação dos recursos ambientais necessários ao bem-estar dos indígenas visto que tal requisito é atendido por outros espaços”, escreveu o ex-ministro. No mesmo documento Jobim diz ainda que as sedes municipais e vilas nas quais o poder público mantém órgãos de administração e de prestação de serviços, devem ser preservadas em atenção ao fato social consolidado e em respeito ao próprio interesse público.
Na decisão divulgada às partes no final da tarde de terça-feira (30), Helder Girão declara: “O fato desse despacho (de Nelson Jobim) ter sido posteriormente menosprezado pela burocracia oficial da Funai não empana sua densidade jurídica”.
O juiz pondera que a expulsão dos arrozeiros – da forma como foi anunciada – poderá ocorrer com prejuízo de difícil e incerta reparação, seja de ordem patrimonial ou outros de ordem moral e psicológica, bem como os de natureza jurídica, pelo esvaziamento da eficácia sentencial pela dificuldade/impossibilidade de retirar os indígenas que vierem a ser assentados no local.
Defesa – Para o advogado Valdemar Albrecht, a decisão do juiz dá um rumo ao procedimento administrativo na demarcação/homologação da terra indígena Raposa Serra do Sol. Por outro lado, conforta o que vem sendo sustentado nas ações em curso perante as variadas instâncias judiciais que tratam da demarcação da terra indígena. Além disso, resguarda os não-índios contra qualquer abuso que possa ser praticado por órgãos da administração pública federal no sentido de retirá-los compulsoriamente das propriedades.
“Essa decisão revela o direito que cada não-índio tem de buscar a proteção judicial contra o abuso que vem sendo cometido pelos órgãos administrativos federais no processo de desocupação da área indígena. Estes órgãos, além de oferecerem indenizações de valores vis, exercem pressão psicológica contra as pessoas que são verdadeiras vítimas da falsidade do processo demarcatório”, declarou Albrecht.
“A Justiça é a trincheira que temos como proteção aos nossos direitos. O cenário criado por aquela força especial não encontra respaldo no Poder Judiciário. Por isso a expectativa dos habitantes da área pretendida para a terra indígena Raposa Serra do Sol que tiveram suas propriedades invadidas pela Polícia Federal é de que os invasores recebam a reprimenda judicial adequada”, complementou. (Carvílio Pires/ Folha de Boa Vista/RR)