Réptil alado do Nordeste é espécie “repetida”, afirma estudo

Uma das descobertas mais celebradas da paleontologia brasileira nos últimos anos pode não passar de um equívoco, argumenta uma dupla de pesquisadores britânicos. David Martill e Darren Naish, da Universidade de Portsmouth, na Grã Bretanha, reexaminaram o Thalassodromeus sethi, um pterossauro (réptil voador) de crista espetacular que foi descrito cientificamente em 2002, e dizem ter concluído que ele é indistinguível de uma espécie já conhecida, o Tupuxuara longicristatus.

“Não encontramos qualquer característica que diferencie os dois com segurança”, declarou Naish à Folha. “O T. sethi tem uma crista mais exagerada, mas se trata de um espécime presumivelmente mais velho que os já descritos como T. longicristatus. As supostas características distintivas, portanto, provavelmente têm a ver com sua idade avançada.”

A dupla do Reino Unido, ao examinar um exemplar “adolescente” de Tupuxuara, verificou que sua crista está apenas parcialmente crescida, sem se fundir com o resto do crânio. Isso sugere, de acordo com os pesquisadores, que o penacho era um sinal de maturidade sexual, como a cauda dos pavões.

As inferências dos britânicos, porém, não deverão passar sem contestação. Os brasileiros que descreveram as espécies, Alexander Kellner, do Museu Nacional da UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro, e Diógenes Campos, do DNPM – Departamento Nacional de Produção Mineral, dizem-se seguros das análises originais.

Menino de asas – Ambos os bichos fósseis têm como berço a chapada do Araripe, o maior celeiro paleontológico do Nordeste e do Brasil.

A chave da nova análise, publicada na última edição da revista científica “Palaeontology”, é um fragmento de crânio depositado num museu da Alemanha e originário do Araripe. “As suturas entre alguns dos ossos não estão completamente fundidas. Boa parte do crânio do Tupuxuara se funde nos períodos posteriores de sua vida”, explica Martill. Em bichos que ainda estão crescendo, as cartilagens presentes nessas suturas permitem que o osso se expanda e alcance o tamanho que tem nos adultos.

Além de verificar as similaridades desse fóssil com o que deu nome ao Tupuxuara, a dupla montou o que seria a trajetória de desenvolvimento da crista e do crânio. Eles afirmam que a seqüência acomoda bem o Thalassodromeus – tão bem que seria demais classificá-lo como membro de outra espécie.

“Curioso é o fato de um dos autores visitar constantemente o Brasil e não examinar as coleções onde o material relevante para a pesquisa está depositado”, criticou Alexander Kellner, referindo-se aos freqüentes trabalhos de campo de Martill no Brasil e ao fato de ele não ter ido ao Museu Nacional para ver os fósseis originais. Kellner também aponta que o pterossauro adolescente não foi preparado, ou seja, extraído de seu casulo de rocha, o que, segundo ele, pode prejudicar a análise.

“Dessa forma, considero o trabalho deles bastante superficial. Mantemos nossa descrição anterior, feita com bastante cuidado e zelo.”

Diógenes Campos, por sua vez, disse ter dúvidas sobre o papel puramente sinalizador da crista dos bichos. É que o fóssil do T. sethi, bem preservado, mostra uma profusão de vasos sangüíneos, o que os levou a propor que o bicho usava o penacho para dispersar calor durante o vôo. Sem isso, o bicho superaqueceria ao voar. (Reinaldo José Lopes/ Folha Online)