Privatizar não é solução para saneamento

Em muitos países, o déficit na cobertura de água e esgoto e a deterioração da infra-estrutura do setor são resultado dos investimentos insuficientes e da ineficiência das empresas públicas, mas isso não significa que conceder os serviços a empresas privadas seja a saída para oferecer saneamento com equidade, qualidade e preço justo. A conclusão é do RDH (Relatório de Desenvolvimento Humano) 2006, lançado pelo PNUD, que fez um raio-x do desempenho do setor em 177 países e territórios. O estudo afirma que, mais importante que a natureza do responsável pelos serviços, é a regulamentação, que exerce um “papel-chave” no estabelecimento de preços e padrão de qualidade.

“A fraqueza dos fornecedores públicos em muitos países faz claramente parte do problema do abastecimento de água. (…) Muitos prestadores de serviço públicos trabalham com base em um modelo que não é transparente nem responde às necessidades dos usuários. (…) Em muitos casos, as operações combinam iniqüidade e ineficiência. Grande parte da água que os prestadores de serviço públicos fornecem não é cobrada porque pinga de canos dos quais não foi feita manutenção ou devido a falhas de medição”, constata o relatório. “Reconhecer os fracassos de alguns prestadores de serviço públicos não implica que seja necessário recorrer ao fornecimento do setor privado para haver sucesso”, ressalva.

O RDH afirma que “o envolvimento privado não constitui uma linha de divisão clara entre o sucesso e o fracasso do fornecimento de água” e que “nem sequer é uma garantia de eficiência do mercado”. “A idéia de que os fracassos do setor público podem ser corrigidos rapidamente através de supostas vantagens de eficiência, responsabilização e financiamento das concessões privadas é enganadora”, aponta. “Sem um plano nacional coerente e uma estratégia de financiamento para obter água para todos, nem o setor público nem o privado conseguirão superar os atuais entraves”, frisa.

O estudo cita a companhia responsável pelo abastecimento de água e pelo saneamento de Porto Alegre como exemplo de empresa pública eficiente. “A lição mais óbvia a tirar de qualquer análise do fornecimento público e privado é provavelmente que não existem mais planos fáceis e rápidos de conseguir o sucesso em todo o país. Alguns fornecedores de propriedade pública (como Porto Alegre) têm desempenho excelente em nível mundial, tal como algumas empresas privatizadas (como no Chile)”, compara.

Embora não seja garantia de solução para os problemas nos serviços de saneamento, sob condições de regulação adequadas, o setor privado pode trazer a tecnologia, a competência e mesmo os recursos necessários para universalizar o acesso à água e ao saneamento, “mas a criação dessas condições através de instituições reguladoras eficazes é uma questão complexa que vai além de legislar e de adotar modelos de outros países”, sustenta o estudo.

O relatório analisa experiências de privatização dos serviços de água e esgoto em diversos países e expõe resultados positivos e negativos, além de três lições que podem ser tiradas. Marrocos e África do Sul são apontados como países onde a participação do setor privado ajudou a ampliar o atendimento e a melhorar a satisfação dos consumidores. Já a recente rescisão do contrato do governo de Buenos Aires com a empresa que administrava os serviços na capital argentina e a revogação da lei que privatizava o fornecimento de água em Cochabamba, na Bolívia, são apresentados como “fracassos particularmente emblemáticos” da privatização.

“Temos a tirar daqui [das experiências de privatização] pelo menos três lições importantes. A primeira lição, que melhor se ilustra no caso de Cochabamba, é que a transparência é importante. […] A segunda lição diz respeito à tensão entre os imperativos comerciais e sociais. As empresas responsabilizam-se por concessões como uma forma de gerar lucro para os acionistas. Mas aumentar os preços para financiar os lucros e os investimentos pode prejudicar o fornecimento às famílias pobres”, avalia. “A terceira lição é plausivelmente a mais importante. A complexidade do aumento do acesso entre os pobres foi extremamente subestimada. Se o problema tivesse sido devidamente avaliado, os recursos públicos e as ligações subsidiadas teriam ganhado maior relevância”, completa.

Os casos de fracasso nas concessões para empresas privadas acabaram por criar uma certa “relutância do setor privado em estabelecer acordos”. “Quando as empresas privadas entram nos mercados dos países desenvolvidos como fornecedores, herdam uma pesada infra-estrutura (paga pelos investimentos públicos passados) que fornece acesso universal num mercado definido por rendimentos médios bastante elevados. Nos países em desenvolvimento, uma infra-estrutura limitada e por vezes dilapidada , os níveis baixos de ligação e os níveis elevados de pobreza aumentam as tensões entre a viabilidade comercial e o fornecimento de água a bom preço para todos”, afirma o relatório.
(Fonte: Alan Infante / PNUD Brasil)