Visto de longe, o lugar parece bem desagradável. Sua atmosfera é totalmente coberta por uma névoa densa, quente e seca, que torna impossível enxergar adiante. Não, não estamos falando de São Paulo num dia poluído. A atmosfera em questão é de um planeta extra-solar, observada pela primeira vez.
Dois grupos de astrônomos dos EUA apresentaram na quarta-feira (21) os resultados da primeira espiada na qualidade do ar de dois mundos fora do Sistema Solar. Os dados foram obtidos pelo telescópio espacial Spitzer, da Nasa (agência espacial americana), e abrem uma nova fase na exploração desses astros.
Só sabendo a composição da atmosfera de um planeta é possível especular se ele tem os ingredientes necessários para a vida. Mais de 200 planetas já foram detectados orbitando estrelas que não o Sol, mas até agora ninguém sabia o que suas atmosferas contêm.
Essa ignorância se deve principalmente ao fato de que esses planetas são muito difíceis de detectar – geralmente estão perto demais de suas estrelas e seu brilho é ofuscado por elas. Os astrônomos, no mais das vezes, só sabem que eles estão lá porque sua presença causa pequenas variações no brilho e no comportamento das estrelas.
Os grupos liderados por Jeremy Richardson, do Centro de Vôo Espacial Goddard, da Nasa, e David Charbonneau, da Universidade Harvard, usaram também um método de detecção indireta para examinar a atmosfera dos planetas HD 209485b e HD 189733b.
Eles se serviram de um espectrógrafo (instrumento separador de luz) do Spitzer para decompor a radiação infravermelha emitida pelos sistemas que abrigam os dois astros.
Quando a radiação é “quebrada” pelo espectrógrafo, é possível detectar as “assinaturas” das moléculas que compõem a atmosfera. Nos dois casos, o Spitzer teve sucesso em fazer a análise. E nos dois casos os cientistas tiveram surpresas.
Brilho pela ausência – “O que nós achamos nos surpreendeu. Ou, mais exatamente, o que nós NÃO achamos nos surpreendeu”, disse Charbonneau em um comunicado à imprensa. E o que ele não achou na atmosfera do HD 189733b foi vapor d’água.
Richardson e colegas deixaram de ver a mesma substância no espectro do HD 209485b. “Os teóricos dizem que o vapor d’água deverá estar presente na atmosfera do planeta. Então é um belo enigma tentar entender por que não a vemos”, disse.
Em seu estudo, publicado nesta quinta-feira (22) pela revista “Nature” (o de Charbonneau sairá no periódico “Astrophysical Journal Letters”), Richardson dá uma pista do que pode estar acontecendo.
A única “assinatura” química identificável no espectro do astro estudado por ele é de silicatos (pó). O grupo acha que nuvens altas de poeira quente (a temperatura do planeta é de 800 C) podem estar bloqueando a detecção de água.
Mesmo que não estivesse, a vida seria inviável nesses dois astros: eles pertencem ao grupo dos chamados jupíteres quentes, gigantes gasosos nos quais a temperatura e a pressão são altas demais.
Mas Richardson se diz animado com o sucesso da técnica. “Ela pode ser usada um dia com telescópios mais poderosos para olhar para super-Terras (planetas extra-solares rochosos). Então, o potencial para detecção de vida existe no futuro.”
Ele já tem até um instrumento candidato: o telescópio espacial James Webb, substituto do Hubble, que deve ser lançado em janeiro de 2013. (Claudio Angelo/ Folha Online)