A vida social dos grandes macacos acaba de dar novo fôlego a uma hipótese intrigante: a de que a linguagem humana era, no princípio, uma espécie de linguagem de sinais, a exemplo da usada hoje por deficientes auditivos. Uma dupla de pesquisadores nos Estados Unidos comparou os gestos e as vocalizações de quatro bandos cativos de grandes macacos e descobriu que eles “falam” muito mais com as mãos e os braços do que com a boca. E seus gestos são muito mais expressivos e flexíveis que os sinais vocais, com uma aparente variação “cultural”, tal como se vê entre os idiomas humanos.
A pesquisa, conduzida Amy Pollick e Frans de Waal, da Universidade Emory, está na edição desta semana da revista científica “PNAS”. Os dois partiram de alguns dados intrigantes sobre o uso de gestos e os primórdios da linguagem.
Em primeiro lugar, sabe-se que usar os braços e as mãos como ferramentas de comunicação é algo exclusivo dos seres humanos e de seus parentes mais próximos, como os grandes macacos (o grupo que inclui chimpanzés, gorilas e orangotangos). Além disso, embora esses bichos não tenham o aparato vocal capaz de produzir os sons das nossas línguas faladas, parecem ter muito mais facilidade para dominar ao menos parte das linguagens de sinais criadas por seres humanos.
Assim, Pollick e Waal decidiram estudar em detalhe como os diferentes sinais (vocais, faciais e gestuais) empregados pelos grandes macacos se combinavam para produzir formas de comunicação entre os primatas. Para isso, eles utilizaram dois bandos de chimpanzés (34 bichos no total) e dois bandos de bonobos ou chimpanzés-pigmeus (13 indivíduos), uma espécie muito próxima do chimpanzé comum e famosa por seu comportamento “hippie”, com pouca agressividade e muito sexo o tempo todo.
Os pesquisadores estudaram tanto os vários tipos de sinais empregados quanto os momentos em que eles eram utilizados em combinação (um sinal vocal com outro gestual, por exemplo). Também compararam o grau de eficácia de cada sinal – ou seja, com que freqüência ele conseguia provocar uma resposta dos companheiros de espécie do bicho que estava “falando”.
Flexibilidade
Com a análise, a dupla conseguiu mapear um total de 31 gestos e 18 sinais vocais ou faciais. O primeiro resultado curioso é que as vocalizações parecem ter sempre o mesmo significado e serem produzidas quase automaticamente, enquanto os gestos são bem mais flexíveis.
“O significado dos gestos precisa ser extraído do contexto”, disse Waal ao G1. “Quando um chimpanzé grita, fica claro que ele está sentindo dor ou medo: é isso que o grito comunica. Eles usam esse sinal independentemente da situação. Mas, quando ele estica o braço num sinal de pedido, o sentido depende da situação – ele pode estar pedindo comida, mas só se o outro tiver comida com ele. É algo parecido com as palavras numa língua humana, que são usadas numa grande variedade de frases e cujo sentido exato depende da estrutura e das palavras que a acompanham na frase”, explica o primatologista.
Para ser mais preciso, as vocalizações são estereotipadas: seu sentido independe de contexto, do grupo social que as usa e até da espécie – são mais ou menos as mesmas tanto entre chimpanzés quanto entre bonobos. Já os gestos variam entre as espécies e até entre os diferentes grupos estudados. “Por exemplo, o grupo de bonobos do zôo de San Diego [na Califórnia] bate palmas antes de catar piolhos, o que é uma tradição local que nós não encontramos no outro grupo de bonobos que estudamos. Podemos dizer que são diferenças culturais”, afirma Waal.
De quebra, o uso dos gestos também parece trazer mais eficiência na comunicação, complementando os sinais vocais: os pesquisadores viram que, quando chimpanzés e bonobos combinavam os dois tipos de sinal, conseguiam produzir com mais facilidade uma resposta de seus “interlocutores”.
(Fonte: Reinaldo José Lopes / Portal G1)