O interflúvio (região entre rios) com cerca de 40 milhões de hectares, representa menos de 5% da floresta amazônica, mas em apenas duas viagens os cientistas encontraram pelo menos quatro novas espécies de aves, três de mamíferos e algumas dezenas de aracnídeos desconhecidos. O material, coletado entre abril e maio e, depois, em julho deste ano, mostra uma biodiversidade ameaçada por planos de ocupação.
Ainda predominantemente sem impacto, o interflúvio Purus-Madeira está na mira de projetos como a pavimentação da BR-319, que liga Porto Velho (RO) a Manaus (AM) e a criação de um gasoduto entre Urucu (AM) e Porto Velho – ambos os projetos cortam a área. Também ameaçam a região a construção de hidrelétricas no rio Madeira, a onda de extração madeireira em expansão no sudeste do Amazonas e o avanço da agroindústria, em especial da soja, e da pecuária.
Riqueza ameaçada – “O cenário está armado para destruir uma área pequena, até então desconhecida e que imaginávamos ter um potencial absurdo de biodiversidade e endemismo (espécies únicas do lugar)”, conta o ornitólogo Mario Cohn-Haft, do Inpa – Instituto de Pesquisas Amazônicas, que liderou a expedição do projeto Geoma – Rede Temática de Pesquisa em Modelagem Ambiental da Amazônia.
As seis semanas em que o grupo ficou no mato driblando atoleiros mostram que há mesmo algo a perder. “Encontramos espécies que não somente nunca tinha sido observadas, como aparentemente só existem naquela região”, diz Cohn-Haft. Os animais coletados estão agora sendo analisados pelos biólogos para definir se realmente tratam-se de novas espécies. Após confirmação, as descobertas serão publicadas em revistas científicas.
Cohn-Haft já adianta, no entanto, que ao menos quatro das aves que ele observou são muito provavelmente espécies novas, sendo duas delas endêmicas. “Eu já tinha visto essas aves em expedições anteriores, mas só agora encontrei vários exemplares. É uma série grande o suficiente para poder descrever.”
A importância dos achados aumenta quando se leva em conta que as aves são o grupo mais bem conhecido pelos biólogos. A descoberta de tantas novidades, segundo o pesquisador, funciona como um termômetro da diversidade da região. E, mesmo assim, Cohn-Haft acredita que em alguns anos vai dobrar o número de espécies descritas na Amazônia.
Entre os mamíferos, os primatólogos acreditam ter avistado ao menos uma espécie nova de macaco. Foi coletado ainda um sagüi que provavelmente é uma nova subespécie e um primata visto como uma “redescoberta” da ciência.
Trata-se de um animal que já havia sido descrito na literatura, mas que nunca mais tinha sido visto. “Ele ficou meio desacreditado, supunha-se que podia ser apenas um indivíduo extraordinário, mas agora achamos uma população inteira dele”, conta o pesquisador.
Ainda entre os mamíferos, os biólogos apostam num esquilo e numa gatiara (mamífero noturno) como novas espécies.
O grupo animal que deve trazer mais novidades, no entanto, é o dos aracnídeos e opiliões (aranhas de longas pernas). Eles ainda são tão pouco conhecidos que a expectativa é que 95% dos animais encontrados sejam novas espécies.
A presença de animais tão diferentes em um espaço relativamente tão pequeno é explicada porque a região engloba também tipos de ambiente muito diferentes. Na mesma área há tanto floresta típica, quanto várzeas inundáveis, pequenas serras, bambuzais e campos. “Tudo isso num interfluviozinho ameaçado por tudo quanto é projeto de desenvolvimento”, diz Cohn-Haft. (Folha Online)