A descoberta aconteceu no último final de semana, depois que uma equipe da Unirio – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro vasculhou uma série de cavernas no município fluminense de Sumidouro. Por enquanto, os achados se resumem a dentes – além do T. platensis, ou toxodonte, há também restos de um roedor ainda não identificado -, mas os pesquisadores se dizem animados com o potencial da região.
“Foi só uma primeira sondagem. A nossa intenção agora é fazer um trabalho detalhado, usando técnicas de arqueologia (que envolvem um levantamento minucioso e delicado dos sítios, diferente das técnicas normalmente usadas para escavar fósseis)”, contou ao G1 o paleontólogo Leonardo Santos Avilla, que coordena os trabalhos. O dente de toxodonte, provavelmente um molar, dá só uma pálida idéia do corpanzil de 3 m de comprimento e 1,5 m de altura que o bicho tinha em vida, mas talvez ajude a explicar como ele morreu.
“Parece que há sinais de predação nele. A caverna, que nós batizamos de Toca do Toxodonte, provavelmente era usada por carnívoros como local de alimentação – eles carregavam parte da presa até lá e só então a comiam”, conta Avilla, que chefia o Laboratório de Mastozoologia (zoologia de mamíferos) da Unirio.
O pesquisador diz acreditar, no entanto, que o pobre toxodonte talvez não tenha sofrido uma morte das mais glamurosas. Embora a criatura tenha convivido com o Smilodon populator, o maior dente-de-sabre que já existiu, com tamanho 50% maior que o de um leão moderno, é mais provável que tenha sido devorada por predadores mais prosaicos, como uma onça-pintada ou uma suçuruana. Isso porque os dentes-de-sabre, com suas enormes presas, talvez não fossem capazes de transportar restos de suas vítimas para lá e para cá – suas bocas não seriam hábeis o suficiente para isso.
Na trilha do mestre – Avilla explica que ele e seus colegas chegaram à região de Sumidouro inspirados pelo trabalho de Carlos de Paula Couto (1910-1982), um dos patronos da paleontologia brasileira e o primeiro a achar resquícios dos mamíferos da Era do Gelo na região serrana do Rio. Mas Paula Couto mal chegou a arranhar o potencial fossilífero da região, que ainda continua quase totalmente inexplorada.
As cavernas da região em geral são formadas por rochas de origem vulcânica, pedaços de morros que se quebraram, rolaram para baixo e acabaram gerando os abrigos. Muitas estão cobertas de guano (esterco semifossilizado) de morcego ou são muito íngremes, dificultando o acesso dos pesquisadores e exigindo o uso de equipamentos de rapel.
Além da Toca do Toxodonte, os pesquisadores exploraram com sucesso a caverna conhecida como “Ceci e Peri”, localizada às margens do rio Paquequer e considerada uma das inspirações para o romance “O Guarani”, do escritor romântico brasileiro José de Alencar (a jovem branca Ceci e o índio Peri são personagens da trama). Foi da caverna Ceci e Peri que veio o dente fossilizado de roedor, provavelmente pertencente a uma espécie viva ainda hoje.
Os toxodontes pertencem a um grupo de ungulados (mamíferos com casco) que evoluiu de forma isolada na América do Sul durante dezenas de milhões de anos, quando a região era uma gigantesca ilha. Quando o nosso continente finalmente se uniu à América do Norte com a formação do istmo do Panamá, alguns toxodontes conseguiram “invadir” a América Central. “Foi um dos poucos mamíferos sul-americanos a fazer isso”, diz Avilla. Há controvérsias entre os pesquisadores, mas é possível que a mesma espécie estivesse presente dos pampas argentinos à América Central.
Seus dentes, como o achado pela equipe da Unirio, têm uma curiosa adaptação para cortar a grama da qual o bicho se alimentava. Eles tinham crescimento contínuo, quase como se os toxodontes fossem coelhos tamanho-família, mas alternavam camadas de esmalte e dentina que podiam ser desgastadas constantemente. Assim, a ponta do dente mantinha sempre uma lâmina afiada de esmalte, pronta para enfrentar a grama, muito abrasiva.
A equipe de pesquisa deve voltar em breve à região, em busca de mais fósseis. Os trabalhos estão sendo apoiados pela prefeitura de Sumidouro, que tem intenção de explorar o potencial turístico dos achados. (Globo Online)