A chuva sumiu, mas mesmo assim a Amazônia ficou mais verde – e não mais seca, como os modelos previam – depois da pior estiagem em 60 anos.
“O ecossistema não se mostrou negativamente reativo ao estresse hídrico”, afirma em língua de cientista Humberto da Rocha, do IAG – Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP – Universidade de São Paulo. Ele é um dos autores do artigo.
Entre as várias condicionantes que agem sobre a floresta, o estímulo dado pelo calor e pela radiação acabou sendo mais forte do que a falta d’água. “Isso sugere que a reação ao estresse hídrico pode ser muito menor que pensávamos”, diz Rocha.
Mas a aparente boa notícia não é suficiente para espantar o fantasma da savanização de boa parte da região amazônica, caso o aquecimento médio da temperatura na região seja mais constante.
“O evento de rebrota ocorreu em apenas um período de escassez intensa. Não sabemos o que ocorreria se isso fosse repetido no segundo ano” explica.
Mesmo que as plantas amazônicas sejam preparadas para a falta de água da chuva – algumas espécies, ajudadas por um tipo de solo que retém bastante água, conseguem captar líquido a até 10 metros de profundidade, sem prejuízo vital – tudo acaba tendo um limite.
Segundo Rocha, é bem possível que, no passado, talvez em ciclos seculares, a Amazônia tenha passado por secas semelhantes. Mas o problema, daqui para a frente, é ela ser atingida por fenômenos tão intensos quanto o de 2005 em intervalos de tempo muito mais curtos.
“Secas sucessivas podem fazer com que o reservatório disponível (no solo) se esgote. O mesmo deve ocorrer, e isso os modelos já mostram, com uma estação seca mais prolongada e quente. A demanda aumentaria e o estoque de água chegaria mais rápido ao seu limite.”
Seja por um caminho ou pelo outro, a hipótese de uma transformação da estrutura da comunidade vegetal, migrando de floresta para uma típica savana, fica bem robusta.
Os cientistas ainda não sabem, no entanto, se o esverdeamento após a seca foi apenas “cosmético” ou se ele correspondeu a uma maior assimilação de carbono (pela fotossíntese) na forma de troncos e raízes, ou seja, se as árvores de fato “engordaram” no período.
“Nada garante que a assimilação de carbono pelas plantas tenha aumentado, ou mesmo se mantido, naqueles meses de seca ou mesmo nos períodos seguintes ao evento climático.”
Essa falta de fixação de carbono também enfraquece todo o ecossistema, que ficará bem mais vulnerável ao clima caso as secas amazônicas passem a ser mais constantes. (Folha Online)