Sputnik: meio século no espaço

Há exatos 50 anos a humanidade entrava na Era Espacial. O Sputnik, primeiro satélite artificial a orbitar a Terra, era lançado pela União Soviética no dia 4 de outubro de 1957.

Em termos científicos, a função objetiva daquela esfera metálica brilhante, de 60 centímetros de diâmetro e 90 quilos, era aparentemente modesta: emitir um sinal de rádio – um “bip” que podia ser sintonizado por radioamadores. O seu lançamento, no entanto, além de ocasionar uma transformação geopolítica e desencadear a corrida espacial, mudou para sempre as práticas científicas e as relações entre pesquisa científica e tecnológica.

Para o diretor-geral do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Gilberto Câmara, o Sputnik fez deslanchar um processo de corrida espacial que gerou duas vertentes tecnológicas distintas.

“Uma delas gerou grandes feitos da humanidade, com alto impacto geopolítico, como o projeto Apolo 11 e outras missões tripuladas, que envolveram imenso esforço tecnológico e organizacional. A outra, despertou a capacidade de criar satélites não-tripulados, menos glamourosos, mas que operam tarefas insubstituíveis”, disse Câmara à Agência Fapesp.

Desenvolvidas quase separadamente, as duas vertentes tecnológicas têm motivações diferentes. Segundo o professor, as missões tripuladas têm um forte componente geopolítico e envolvem a mobilização do complexo industrial militar norte-americano. “Esse tipo de missão não tem benefício econômico direto. É uma demonstração de força, em última instância”, disse.

Já os satélites, de uso predominantemente civil, têm aplicações indissociáveis da vida cotidiana. “Os satélites de telecomunicações, científicos, de observação da Terra, de navegação fazem parte da nossa vida, permitindo localização por GPS, monitoramento de desmatamento e muitos outros serviços”, afirmou.

Para Câmara, o programa espacial sempre foi marcado pela dicotomia entre o poder geopolítico e avanço do conhecimento. “A Europa, desde o início, aposta num projeto civil. O Brasil e a Índia acompanham essa tendência. Mas nos Estados Unidos, na Rússia e na China, o componente geopolítico é mais importante que o civil”, declarou.

O professor vê uma tendência ao acirramento da militarização do espaço no programa espacial norte-americano. Um exemplo disso é o projeto que pretende colocar o homem em Marte dentro de 20 anos.

“Esse é um projeto absurdo, para reativar o complexo industrial militar. Ele havia sido desmobilizado com o fim da União Soviética, mas os Estados Unidos prevêem uma nova Guerra Fria com a China”, afirmou o cientista.

Segundo Câmara, embora seja predominantemente civil, o programa espacial brasileiro não deixa de ter ambições geopolíticas. “A base de Alcântara é um exemplo. O investimento fortíssimo em infra-estrutura não traz retornos diretos para ciência e tecnologia, embora seja importante para o Brasil”, disse.

Já o Cbers-2B, terceiro satélite do programa do Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres (Cbers), lançado em setembro, se insere na vertente civil. “O projeto prioriza as áreas de observação da Terra, ciência espacial e navegação”, declarou.

Sputnik: um início militarizado – Para o vice-presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), José Monserrat Filho, a Era Espacial nasceu distante da ciência, mas gradualmente voltou-se para o desenvolvimento e para o avanço científico.

“O lançamento do Sputnik, em plena Guerra Fria, não foi fruto de um planejamento de pesquisas, nem fazia parte de um projeto científico. Foi uma iniciativa militar que fazia parte de um programa de mísseis”, disse Monserrat à Agência FAPESP.

De acordo com Monserrat, que é membro da Academia Internacional de Astronáutica e do Comitê de Direito Espacial da International Law Association (ILA), para os soviéticos, em outubro de 1957, o que importava não era o satélite. Era o foguete R7 que o lançou, projetado originalmente para lançar ogivas nucleares.

“Ao desenvolver o primeiro míssil balístico intercontinental, a União Soviética ganhava um instrumento para enfrentar o cerco das bases aéreas norte-americanas, gerando uma nova situação estratégica no mundo”, disse o autor de Direito e Política na Era Espacial – Podemos ser mais justos no espaço do que na Terra?.

Embora o lançamento do satélite tenha sido em primeiro lugar uma manifestação de força dirigida às autoridades norte-americanas, o impacto midiático do feito ganhou uma dimensão que nem os próprios soviéticos haviam previsto.

“A repercussão internacional foi espantosa e a Guerra Fria tomou uma dimensão absoluta. Os norte-americanos, que viam a União Soviética como uma ditadura atrasada, passaram a superdimensionar a capacidade tecnológica de Moscou”, disse.

Nature e Nasa – A comemoração dos 50 anos do lançamento do Sputnik motivou a revista Nature a publicar, na edição desta quinta-feira (4/10), um especial sobre a ciência na Rússia. O destaque é o ensaio The little ball made science bigger, de Alexei Kojevnikov, da Universidade de British Columbia (Canadá). Segundo ele, o lançamento do satélite mudou a demografia da pesquisa ocidental, tornando a comunidade científica “maior, mais multirracial e mais multicultural”.

A agência espacial norte-americana, Nasa, apresenta em seu site um especial interativo com trechos de entrevistas com ex-astronautas, engenheiros e cientistas que oferecem uma perspectiva histórica sobre o lançamento do Sputnik. O especial pode ser acessado no site www.nasa.gov (Agência Fapesp)