Há pelo menos dois meses a população ribeirinha do médio São Francisco, no norte de Minas Gerais, tenta se acostumar com a estranha coloração verde das águas e a proliferação de peixes mortos no encontro do Rio São Francisco com um de seus principais afluentes, o Rio das Velhas. O cenário é o reflexo mais visível da maior contaminação de que se tem notícia na bacia por cianobactérias, também conhecidas como algas azuis.
Resultado de uma combinação de poluição e estiagem prolongada, a concentração em níveis elevados das algas obrigou o governo mineiro a determinar, no dia 18, a proibição da atividade pesqueira num trecho de mais de 600 quilômetros dos rios, da região metropolitana de Belo Horizonte até a divisa com a Bahia.
As cianobactérias liberam toxinas que podem causar danos à saúde em caso de ingestão ou contato com as águas. Apesar do nome, quanto maior a contaminação, mais esverdeada fica a água, que também exala forte odor. O fenômeno é monitorado desde 1996, mas, neste ano, segundo a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), atingiu níveis críticos.
As cianobactérias são microorganismos fotossintetizantes unicelulares, cuja proliferação está ligada ao excesso de luminosidade e aumento da matéria orgânica nos rios. O Rio das Velhas recebe boa parte do esgoto produzido na Grande Belo Horizonte e a seca no norte de Minas levou à redução da vazão dos rios.
O episódio fez recrudescer entre ambientalistas e autoridades do Estado as críticas ao projeto de transposição das águas do São Francisco – cujas obras foram iniciadas pelo governo federal – e a necessidade de enfrentamento do passivo ambiental acumulado no chamado rio “da união nacional”.
Para o secretário-executivo do Comitê Gestor de Fiscalização Ambiental Integrada da Semad, Paulo Teodoro Carvalho, a gravidade do problema depende da freqüência de chuvas nas nascentes. “Estamos atravessando uma época em que tinha de estar chovendo e chovendo um bom volume de água. Com isso (a estiagem), a vazão dos rios atingiu níveis mínimos e propicia o aparecimento das algas.”
OXIGÊNIO
Na comunidade de Barra do Guaicuí, distrito de Várzea da Palma, pescadores apontam desolados para curumatás, piaus e dourados boiando nas margens. “As cianobactérias, em grande quantidade, disputam o oxigênio com os peixes”, explica o biólogo Marcelo de Oliveira Lima, que desenvolve com a população local um projeto de piscicultura em tanques de redes no São Francisco. “Temos agora de rezar, torcer para chover o quanto antes.”
A confluência dos rios é a mais afetada. Antes mesmo da proibição da pesca, a Coordenadoria Estadual de Defesa Civil (Cedec) já havia recomendado a suspensão do uso da água dos rios e o consumo de peixes.
Na unidade de saúde local foram registrados quadros de diarréia, vômito e dor de cabeça. A ingestão de peixe contaminado pode ainda trazer complicações para o fígado, como hepatite tóxica. A água contaminada pode causar irritação na pele.
A proibição da pesca atinge 428 quilômetros do São Francisco e 200 quilômetros do Rio das Velhas, até 1º de novembro, quando começa a piracema (época de reprodução dos peixes). Amostras foram encaminhadas para a Universidade Federal do Rio de Janeiro, para avaliar a presença de toxinas. O resultado será divulgado nos próximos dias.
Análise recente da Companhia de Saneamento de Minas (Copasa) indica que a situação é de alerta, com oscilação na contagem de células das algas e alternância de espécies de cianobactérias nos dois rios.
O ponto mais crítico foi constatado no Rio das Velhas, entre os municípios de Jequitibá, Lassance e Várzea da Palma, ao norte de Belo Horizonte. Ali, a ocorrência das cianobactérias é superior ao limite máximo estipulado pelo Ministério da Saúde, de 10 mil células por mililitro de água.
Resultado semelhante foi identificado no Rio São Francisco, nas cidades de Ponto Chique, São Francisco, Januária e Manga, também no norte mineiro. Há alta concentração de cianobactérias, mas o nível de toxicidade é dez vezes menor. Indícios de contaminação também foram detectados na região de Bom Jesus da Lapa, na Bahia.
O governo mineiro afirma que tem feito investimentos significativos nos sistemas de esgotamento sanitário da região, incluindo a construção de uma Estações de Tratamento de Esgoto (ETE). Uma das metas é concluir, até 2010, a despoluição total do Rio das Velhas.
(Fonte: Eduardo Kattah / O Estado de S. Paulo)