O consumo de álcool é um fenômeno preocupante e crescente entre as populações indígenas do país. O diagnóstico é feito pelo gerente do Projeto Vigisus II da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), Carlos Coloma, que também alerta: o problema é de de difícil solução. De acordo com ele, o combate ao alcoolismo, fenômeno que ocorre na grande maioria das etnias indígenas brasileiras, é uma das prioridades do projeto, que integra o Programa de Saúde Mental da Funasa.
“Nós iniciamos as atividades para conhecer a realidade da saúde mental indígena a partir de 1999 – mais intensamente quando a Procuradoria Geral da República solicitou que a Funasa resolvesse os problemas de alcoolismo na população indígena no Rio Grande do Sul. A partir daí, foram feitas uma série de discussões para entender o problema. Chegamos a uma conclusão: não é possível fazer uma intervenção no alcoolismo nas populações indígenas sem entender o significado que o consumo de álcool tem para as diversas etnias. Qual a extensão do problema e a situação epidemiológica”, afirmou Coloma.
O trabalho de combate ao alcoolismo se concentrou em sete dos 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Dseis) nos quais os índices eram mais preocupantes – Guarani (RS), Kaigang (PR), Pankararu (PE), Guarani Kaiowa e Nhandeva (MS), Tremembé (CE), Karajá e Javaé no região do Araguaia (TO, MT, GO), e Tikuna da região do Rio Alto Solimões (PA).
Para diminuir os índices de consumo de álcool nas comunidades indígenas, o Projeto Vigisus programa intervenções orientadas pelos próprios indígenas.
“Em uma reunião com pajés no Rio Grande do Sul, ficou decidido que para ajudar os jovens se livrar do vício teriam que chamar alguns ‘mensageiros’”.
“Esses mensageiros trazem a palavra de um deus que se chama Ianderu que fala a toda a comunidade. Ele dá conselhos e fala do modo bom de viver. E nesse modo bom de viver não está incluído o álcool”, disse.
Segundo Coloma, o acesso a bebidas alcoólicas é fácil em todas as aldeias do país, o que não difere muito das outras comunidades brasileiras. Contudo, nas cidades, existe uma oferta de álcool bastante diversificada.
“Temos cerveja, com baixa concentração alcoólica, de 5 a 6 graus, temos consumo de vinho e de outras bebidas fermentadas até 12 graus. Nas comunidades indígenas, o grande consumo é de bebidas destiladas, especialmente a cachaça”, disse.
Para Coloma, o modo de beber é o diferencial mais marcante entre índios e a população em geral. “Entre os indígenas, a ingestão é coletiva. Se há uma festa comunitária, todos têm que beber. Se há uma garrafa, duas, dez, mil garrafas, tudo tem que ser bebido”, disse.
De acordo com ele, o Ministério da Saúde proibiu a venda de álcool líquido nas aldeias. Só é permitida a venda do álcool na forma de gel. “Não resolveu o problema, pois eles usam o produto como se fosse uma geléia que se passa no pão”, afirmou.
Outros fatores ainda contribuem para o alcoolismo indígena. “Além do baixo custo, há também todo um contexto social de problemas que, sem dúvida, afetam a situação da sociedade indígena. A difícil solução de alguns deles, como a defesa de suas reservas, o contato com as sociedades externas faz com que os jovens comecem a consumir álcool”.
Comona afirma que não há embasamento científico para argumentar que o alcoolismo entre os indígenas seja uma questão étnica.
“Não há como dizer que é uma propensão genética. O que se sabe é que certas etnias possuem dificuldades para metabolizar o álcool consumido. O processo seria mais demorado e por isso o efeito seria mais forte”, afirmou.
Para o gerente da Funasa, o que deve interessar aos pesquisadores e técnicos de saúde indígena é o valor simbólico da bebida. “Por que aí sim, temos como intervir. Independentemente de haver uma causa biológica, o importante é trabalhar com a causa simbólica por que o que a nós interessa é uma solução para o problema”, disse.
Ele ressaltou ainda a importância de trabalhar a prevenção e evitar que as pessoas tenham contato com o álcool tão precocemente.
Além do alcoolismo, outras patologias também são tratadas no Projeto Vigisus. Carlos Comona afirmou que o perfil epidemiológico da grande maioria das patologias mentais indígenas ainda é muito pouco conhecido.
“Muitas são de origem neurológicas, no entanto, para caracterizá-las como doença mental é difícil, segundo o que a psiquiatria moderna define como categoria patológica”, afirmou.
“Isso não quer dizer que podemos negar que também entre os indígenas existam neuroses, psicoses”, afirmou. Mas a configuração dessas doenças, segundo o especialista, não é a mesma das culturas não-indígenas.
(Fonte: Débora Xavier / Agência Brasil)