O avanço do desmatamento na região norte de Mato Grosso nos últimos cinco meses também fez estragos em uma das mais importantes unidades de conservação da Amazônia. De agosto a dezembro, segundo os dados do Inpe, uma área equivalente a 60 campos de futebol foi derrubada no Parque Estadual do Cristalino, entre os municípios de Alta Floresta e Novo Mundo (830 km de Cuiabá).
O local abriga, em 184 mil hectares, uma das mais ricas amostras da biodiversidade de toda a Amazônia, especialmente em relação às aves: são quase 600 espécies identificadas, das quais 50 endêmicas – ou seja, que só existem ali. É também uma das áreas mais ameaçadas, pois está situada exatamente no limite da fronteira agrícola da região, cercada por estradas, fazendas de gado e dois assentamentos rurais.
Entre os meses de setembro e outubro, o monitoramento por satélite do sistema Deter identificou duas derrubadas, de 34 e 28 hectares, dentro da área protegida da unidade. Por uma estrada vicinal que corta a porção sul do parque, a Folha tentou chegar até as clareiras abertas na mata, mas o caminho estava bloqueado pelo tronco de uma árvore que havia despencado sobre a estrada.
No trecho de cerca de seis quilômetros que foi possível percorrer na área protegida, porém, não faltaram exemplos concretos dos riscos a que a unidade está submetida. O cenário era praticamente o mesmo de outras áreas desmatadas da região: cercas, pasto, gado, em meio aos restos queimados de árvores de grande porte. Em um trecho, o fogo havia avançado sobre alguns pequenos morros, varrendo quase toda a vegetação no local.
Embora seja ocupado por fazendeiros, o trecho visitado pela reportagem integra a área demarcada para a unidade. Uma parte, de cerca de 13 mil hectares, são pastagens que já haviam sido abertas antes da criação do parque. Outros 17 mil hectares, segundo as imagens de satélite, foram destruídos quando a proteção da área já estava estabelecida.
A indefinição fundiária atingiu o ápice em 2006, quando o governo de Mato Grosso encaminhou à Assembléia Legislativa um projeto de lei redefinindo os limites do parque. A proposta, que excluía 3.000 hectares desmatados anteriormente, foi modificada pelos deputados estaduais, que propuseram e aprovaram um novo traçado, com 27 mil hectares a menos. A Justiça revogou a medida depois.
Virada de jogo – O biólogo Renato Farias, diretor da ONG Fundação Ecológica Cristalino, que atua na região do entorno do parque, diz que o momento exige uma mudança de rumo. “Temos que virar o jogo”, afirma. “As pessoas da região têm que se dar conta de que o parque em pé tem muito mais a contribuir, inclusive economicamente, para a região.”
Farias diz que a área do Cristalino é um dos melhores locais do país para a observação de pássaros. Um levantamento de flora, iniciado em 2006 e ainda não concluído, identificou mais de 780 espécies somente em duas RPPNs (reservas particulares de proteção natural) vizinhas ao parque.
“Estamos falando de uma região de extrema biodiversidade, por reunir áreas de transição entre ambientes distintos. Mas que também está sob ameaça constante. Isso mostra que algumas pessoas ainda não perceberam o quanto ela pode ser importante, inclusive do ponto de vista econômico, para os municípios do entorno.” (Folha de São Paulo)