Biólogos descobrem nova espécie de perereca que carrega filhotes nas costas

Eis um bicho que mereceria facilmente o título de perereca-canguru, e não pelas razões mais óbvias. Além de pular, a pequena Gastrotheca pulchra carrega seus filhotes numa bolsa até que eles estejam prontos para enfrentar seu habitat, a mata atlântica do sul da Bahia. A espécie acaba de ser apresentada à ciência por uma dupla de pesquisadores, numa prova de que ainda há muito a descobrir sobre os anfíbios da primeira região do Brasil a ter tido contato com os europeus.

A nova espécie foi descrita por Ulisses Caramaschi e Miguel Trefaut Rodrigues num artigo publicado no periódico científico “Boletim do Museu Nacional”. “Eu não tenho a menor dúvida de que existem muitas outras espécies a serem coletadas e descritas”, diz Rodrigues, que é pesquisador do Instituto de Biociências da USP.

Na verdade, a dificuldade de achar e descrever os bichos foi causada, em parte, pela ação humana. É que o abrigo preferido das pererecas do gênero Gastrotheca são as bromélias, plantas que acumulam água em seu interior. Nas regiões de mata atlântica do sul do Brasil, houve uma destruição sistemática de bromélias como medida de prevenção contra a malária. “As pessoas chegavam a ser pagas por queimar bromélia”, conta Rodrigues – e, com isso, os anfíbios é que sofriam.

Junto com a descrição da nova espécie,que mede pouco mais de 3 cm, os pesquisadores também tentaram resolver a classificação das “primas” da Gastrotheca pulchra, chegando à conclusão de que existem cinco espécies do gênero na mata atlântica. Uma das dificuldades, explica Rodrigues, é ter de lidar com espécimes de museu que muitas vezes perdem as características necessárias para identificar uma espécie de anfíbio. “O canto e a coloração da pele são muito importantes, e você acaba perdendo isso nas coleções (de museu)”, conta.

Malabarismos sexuais – A biologia reprodutiva das espécies brasileiras ainda é muito pouco conhecida, mas o que se sabe sobre suas primas que vivem na América do Sul do outro lado dos Andes indica um ciclo de vida bizarro, uma estranha mistura entre o que se espera de anfíbios e o que se espera de mamíferos.

Ao contrário do que se aprende na escola, nem todos os anfíbios botam seus ovos na água para que eles se transformem em girinos no meio aquático. As pererecas do gênero Gastrotheca se acasalam em bromélias, na época das chuvas – fase durante a qual o macho canta para atrair a fêmea. Rodrigues descreve o resto do processo:

“O macho e a fêmea entram em amplexo [uma espécie de abraço no qual o bicho do sexo masculino agarra a parceira por trás, numa espécie de chave-de-braço]. A fêmea põe ovo por ovo; o macho os agarra com as patas de trás, passa-os na sua cloaca e libera o esperma para fertilizá-los. Depois, coloca os ovos numa bolsa no dorso da fêmea”, conta o biólogo.

Os ovos são grandalhões para o padrão dos anfíbios, cheios de vitelo (o “alimento” dos embriões). Com isso, os girinos podem passar todo o seu desenvolvimento protegidos nas costas da mãe, até saírem da bolsa com aparência idêntica às dos adultos da espécie, embora ainda bem pequenos.

Em algumas espécies do grupo, no entanto, pode acontecer de esse processo parar no meio do caminho; nesse caso, a mãe despeja os girinos parcialmente formados (já com patas, por exemplo) na água empoçada das bromélias, onde eles chegam à maturidade. Aparentemente, conta Rodrigues, o que controla o fato de o animal “escolher” um estilo ou outro de desenvolvimento é a quantidade de vitelo nos ovos.

Por que um anfíbio adotaria (inconscientemente, claro) esse método reprodutivo tão pouco ortodoxo? “Parece ser uma maneira de evitar os predadores do meio aquático”, diz Rodrigues. Faz sentido: a mortalidade de girinos “nadadores” costuma ser maciça. Essa segurança ampliada para os filhotes faz com que as fêmeas de Gastrotheca “invistam” em poucos ovos com muito material nutritivo, e não em grandes quantidades de ovos, como fazem outras anfíbias. (Globo Online)