Observar os grãos de areia viajarem sobre as dunas de Jericoacoara, no Ceará, é muito mais animado do que ver o mesmo fenômeno ocorrer no planeta Marte. A constatação – que não envolve nenhum tipo de bairrismo – acaba de ser demonstrada cientificamente por um grupo da UFC (Universidade Federal do Ceará).
Por meio de modelos matemáticos alimentados com dados reais, os cientistas ajudaram a resolver um mistério que atormentava os estudiosos do planeta vermelho: por que a paisagem marciana é aparentemente imutável e suas dunas não “andam” como as daqui.
O grupo calculou como ocorre o chamado processo de saltação das partículas de areia. Ou seja, quais são a distância e a altura que um grão salta depois de ser suspenso no ar pelo vento até aterrissar no solo.
Por um lado, em Marte, o deslocamento dos grãos é gigantesco em comparação com a Terra, segundo o trabalho assinado pelo matemático Murilo Almeida, professor da UFC, e mais três pesquisadores, dois brasileiros e um europeu. “Por causa da gravidade menor (cerca de um terço da terrestre) e do ar bem mais rarefeito, a camada de saltação é muito maior lá”, disse Almeida à Folha.
A gigantesca nuvem de poeira deslocada pelo vento sobre as dunas de Marte a 1 metro por segundo pode ter de 5 metros a 10 metros de altura. Na Terra, ela não passa de 0,5 metro, segundo Almeida. E é impulsionada entre 0,3 metro a 0,6 metro por segundo.
O problema no planeta vizinho é existir um vento forte suficiente para que os grãos de areia possam começar a sua viagem. “Essas rajadas fortes ocorrem apenas poucos segundos durante o ano”, diz Almeida, que publica seu trabalho nesta terça-feira (29) na revista “PNAS”.
“É por isso que as dunas de Marte são praticamente imóveis”, diz o pesquisador.
Cálculos também feitos por um cientista do Brasil, informa o professor da UFC, dão conta de que um cenário arenoso em Marte pode demorar até milhares de anos para ser alterado. “Aqui em Jericoacoara, por exemplo, tudo pode mudar em poucos anos”, diz Almeida.
O grão de areia marciano, colocado no ar pelos ventos, pode se deslocar por até cem metros com o ar mais rarefeito. “Na Terra, a distância média é de apenas um metro”.
Poeira não assenta – Humanos que se aventurem em Marte no futuro não precisarão, portanto, se preocupar com tempestades de areia freqüentes. O problema é que, se forem apanhados por uma, terão problemas. “O grão de areia em Marte precisa de um vento forte para ser levantado, mas depois que isso ocorre ele permanece muito mais tempo no ar”, diz Almeida.
Fora esses pequenos instantes, o cenário marciano é infinitamente mais monótono do que o do litoral do Ceará.
“Aqui, o vento é constante”, diz o cientista da UFC. Na Terra, os estudos sobre o transporte de areia ajudam a entender desde o comportamento das erosões que afetam a agricultura até o deslocamento de areia que entope os rios. (Fonte: Folha Online)