O debate ambiental no país ainda está longe da efetividade que poderá salvar a Amazônia e, por tabela, ajudar a manter o aquecimento global sob controle. Mesmo assim, o manejo da floresta não escapa de perspectivas sombrias.
“Nós estimamos que, com o andar da carruagem do aquecimento e do desmatamento, já em 2050 nós teríamos os sinais claros de savanização (da Amazônia)”, disse o especialista em mudanças climáticas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) Carlos Nobre.
“Em 2100, a grande região centro-leste (da Amazônia) já estaria savanizada”, acrescentou.
O pesquisador tem como base os dados preliminares de um estudo recém-concluído pelo Inpe, que aponta que, caso o índice total de desmatamento da Amazônia supere os 40 por cento, ou as temperaturas da região subam entre 3,5 e 4 graus Celsius, seria deflagrado um processo de savanização da floresta.
Nobre lembra que os incêndios florestais também colaboram para a savanização.
Uma transformação da Amazônia em savana traria como conseqüência, além da perda de biodiversidade, a possibilidade de mudanças no clima de outras regiões, especialmente o sul do Brasil e o norte da Argentina, segundo Nobre.
“(Com a savanização) você teria uma grande redução na distribuição de chuvas que a Amazônia faz para várias regiões da América do Sul”, comentou o coordenador do Programa de Mudanças Climáticas do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Paulo Moutinho, que vê também conseqüências negativas para o agronegócio e para o potencial hidrelétrico da região.
Desmate zero – O desmatamento é o carro-chefe das emissões brasileiras dos gases do efeito estufa. De acordo com alguns especialistas, o Brasil cairia da 4a para a 18a posição entre os maiores emissores caso a destruição da floresta fosse tirada da conta.
A Amazônia, apontada por especialistas como importante armazém de carbono, teve desmatados 7.823 quilômetros quadrados de sua área entre agosto de 2007 e junho deste ano, um salto se comparado aos 3.949 quilômetros quadrados perdidos no mesmo período do ano anterior, segundo dados do Inpe. Os estudiosos consideram os 12 meses entre agosto e julho como o calendário anual para a medição do desmatamento.
“Efetivamente, a coisa mais rápida (a se fazer para evitar esse cenário) é parar o desmatamento”, defendeu Moutinho.
O Brasil criou, na semana passada, o Fundo da Amazônia, que prevê investimentos em atividades para preservar e monitorar a região amazônica brasileira. Está previsto ainda que até 20 por cento dos recursos arrecadados para o fundo sejam destinados a outros países com floresta tropical.
A meta de desmatamento zero, no entanto, é vista como irrealizável por especialistas como o professor José Goldemberg, da Universidade de São Paulo (USP).
“Seria preciso um conjunto de políticas públicas que claramente o governo, não só esse governo, o governo anterior, seria incapaz de tomar”, disse.
Ele aponta, no entanto, algumas medidas como a regularização da situação fundiária na região e um melhor controle das unidades de conservação, que contam com número insuficiente de fiscais.
“Para isso você precisa aumentar o orçamento do Ministério do Meio Ambiente, do Ibama e do Instituto Chico Mendes”, explicou Rachel Biderman, pesquisadora do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas, que elogia medidas como o fim de concessão de crédito a atividades que provocam o desmatamento.
“Não havendo financiamento de ilegalidades na Amazônia, você já segura boa parte do problema”, explicou.
Outra medida defendida por muitos especialistas, e que atualmente é alvo de negociações em fóruns internacionais, é a criação de um mecanismo global de mercado que transforme o desmatamento evitado em créditos de carbono.
Esses créditos podem ser vendidos pelos países que evitam ao desmate a outras nações que não conseguirem cumprir suas metas de redução de emissões.
“Sem esse mecanismo, vai ser muito difícil a gente conseguir evitar processos de mudanças drásticas na vegetação amazônica”, disse Moutinho, do Ipam. (Fonte: Estadão Online)