Estudo do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) comprovou o que grande parte dos moradores da Amazônia já sabe: a região está tomada por estradas clandestinas. A pesquisa mostra que os Estados do Pará, Rondônia e Mato Grosso concentram 90% de todos os ramais abertos sem qualquer autorização dos órgãos competentes. Os satélites indicam uma malha com 300 mil quilômetros de vias ilegais, que crescem na mesma velocidade do desmatamento. Um caminho aberto para a devastação da floresta e por onde quase sempre sai a riqueza retirada também de forma ilegal.
Estima-se que a rede ilegal cresça 1.890 quilômetros por ano. O coordenador do estudo e geógrafo Carlos Souza Júnior afirma que a abertura de estradas clandestinas desemboca em uma rede de irregularidades e destruição, iniciada principalmente por madeireiros e grileiros. ‘Os madeireiros vão em busca de madeira de lei e os grileiros visam a especulação fundiária. Há também casos de estradas que são abertas a partir de assentamentos. Nesse caso, o objetivo é o assentamento de novas famílias. Por último, algumas foram abertas para acessar garimpos’, explica.
Mapeamento
Em 1990, quando a pesquisa começou, foram identificados pouco mais de 5.042 quilômetros no centro-oeste do Pará. Progressivamente, em 1995, esse número pulou para 8.679 quilômetros, e, em 2001, já totalizava 20.796, quando as estradas clandestinas já representavam 82% do total existente no Estado. ‘Iniciamos as pesquisas no início da década de 1990 com muito trabalho de campo, para documentar os problemas ambientais ocasionados pelo uso insustentável dos recursos naturais. Mas foi a partir de 2004 que decidimos mapear essas estradas por satélites. Os primeiros estudos foram publicados em 2005 para a região da Terra do Meio’, afirma.
O estudo, ampliado para a toda a região e baseado no uso de satélites, passou a fazer o mapeamento anual da situação, fechando o ano de 2003 com um total de 300 mil quilômetros de estradas abertas clandestinamente. ‘Estamos prestes a concluir o mapeamento para 2007, o que permitirá estimar a taxa de expansão dessas estradas no período de 2003 a 2007’, diz o pesquisador.
Reservas
No Pará, os dados mostram que as estradas da ilegalidade são inúmeras e desafiam até mesmo a presença do governo, não distinguindo entre reservas ecológicas ou áreas indígenas. Um exemplo disso pode ser visto na reserva Terra Indígena do Baú, em Altamira, sudoeste do Pará, onde vivem índios Kayapós. Os ramais abertos por madeireiras clandestinas para escoar o mogno retirado de forma ilegal da área já chegaram a descaracterizar o espaço, obrigando a uma nova demarcação em 2003.Os caminhos que levam até a Estação Ecológica da Terra do Meio, também em Altamira, considerada a segunda maior unidade de conservação do País, com 3,3 milhões de hectares, criada pelo governo federal em 2005, não estão todos dentro da malha da regularidade. Caminhos rasgados em meio a mata por especuladores de terras indicam que ali é uma área livre.
‘Infelizmente, as terras indígenas Menkragnoti, Kayapó, Trincheira Bacajá e Apyterewa, perto de São Félix do Xingu, e outras áreas protegidas, como a Floresta Nacional (Flona) do Tapajós e a Reserva Extrativista do Arapiuns, perto de Santarém, são exemplos de áreas protegidas no Pará onde foram detectadas estradas clandestinas’, cita Carlos Souza. O mapa do Imazon mostra ainda que às margens da rodovia BR-163, a Cuibá-Santarém, minam estradas ilegais. Na região de Santarém, no Baixo Amazonas, tem crescido o número de vias irregulares nos últimos anos, acompanhando o avanço do cultivo da soja. O mesmo ocorre na BR-230, a Transamazônica.
‘Nos últimos dez anos, as regiões do oeste do Pará e a Terra do Meio são as que tiveram um ritmo mais acelerado de crescimento de estradas clandestinas. A especulação fundiária, abertura de novas fazendas para pecuária e a corrida pela madeira são as principais causas para abertura dessas estradas’, afirma Souza.
Aberturas na mata são feitas para escoar produção florestal irregular
Os impactos da abertura de estradas clandestinas na região amazônica são enormes, especialmente para o meio ambiente, resultando no desmatamento e na degradação do meio ambiente. ‘Nossos estudos apontam que 80% do desmatamento anual concentram-se em um raio de cinco quilômetros de todas as estradas, oficiais e clandestinas. Se considerarmos apenas as estradas oficiais, 80% do desmatamento estão em um raio de 50 quilômetros. Isso significa que as estradas clandestinas estão definindo a nova fronteira do desmatamento da Amazônia’, garante o estudioso.
Conter o avanço do desmatamento e do número de estradas ilegais na região, segundo o geógrafo, é, antes de mais nada um grande desafio, mas há estratégias que podem ajudar a frear essa expansão. ‘A criação de unidades de conservação em áreas de expansão é uma delas. Nesse caso, a titulação da terra no futuro fica comprometida porque a área passa a ter uma definição fundiária. Outra estratégia é aumentar a eficácia da responsabilização dos infratores’, enumera Souza.
Fiscalização
O monitoramento por satélite é outra ferramenta essencial para conter o problema, porque fornece os locais onde essas estradas estão sendo abertas. ‘De posse dessa informação, órgãos competentes podem agir para impedir o seu avanço’, aduz. Há casos no oeste do Pará em que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) implodiu estradas de madeireiras. ‘O importante é não deixar impune esse tipo de crime ambiental’, acredita ele.Iniciativas ainda incipientes por parte dos governos indicam que é possível fazer algo de concreto para diminuir o avanço de ramais na região. Uma delas é a criação de unidades de conservação em áreas de expansão de estradas. ‘A fronteira de expansão de estradas já está fechada na Terra do Meio e ao longo da BR-163, que liga Santarém a Cuiabá. Há avanços também na área de zoneamento ecológico-econômico. Mas ainda é preciso intensificar a fiscalização, punir de forma exemplar os infratores e fazer a regularização fundiária nas áreas já ocupadas ao longo das estradas clandestinas’, pondera.
O pesquisador frisa ainda que a abertura de mais estradas legais na Amazônia é essencial para desenvolver a economia de uma região, dar acesso a serviços públicos como escolas e hospitais e integrar regiões distantes. ‘O problema é que as estradas geralmente levam a uma ocupação desordenada do espaço geográfico e à degradação do meio ambiente, principalmente, pelo desmatamento. O caminho é o zoneamento ecológico-econômico para restringir a conversão de florestas nos corredores ao longo de estradas. E a aplicação exemplar da legislação ambiental. Isso pode reduzir os impactos negativos da abertura de estradas ao meio ambiente’, conclui.
(Fonte: Alexandra Cavalcanti – O Liberal / Amazonia.org)