O último grande esforço de cartografia da Amazônia foi o projeto RadamBrasil, concluído no início da década de 80. Na ocasião, 65% da região foi mapeada na escala de 1 para 100 mil (1:100.000) – o que significa, em termos técnicos, que cada 1 centímetro no mapa corresponde a 1 quilômetro no mundo real.
“Os 35% que sobraram são o vazio cartográfico que vamos mapear agora”, explica o general Armindo Fernandes, gerente-geral do projeto Cartografia da Amazônia. As cartas de melhor resolução para essas áreas “vazias” estão na escala de 1:250.000 (ou 1 centímetro igual a 2,5 quilômetros). Muitas são de 1:1 milhão. O projeto vai atualizar tudo para uma escala mínima de 1:100.000, podendo chegar a 1:50.000 ou até 1:25.000, em áreas consideradas de alta relevância – como as regiões de fronteira.
O projeto, de R$ 350 milhões, é financiado pelo governo federal, coordenado pelo Censipam e executado pelas Forças Armadas e pelo Serviço Geológico do Brasil, com tecnologia da OrbiSat. Além da cartografia de superfície, também serão mapeados o subsolo – em busca de riquezas minerais – e os rios – que são a verdadeira malha viária da Amazônia, por onde escoam 95% das exportações da região.
Os primeiros sobrevôos foram feitos em setembro, no focinho da Cabeça do Cachorro. Até agora, 50 mil km2 já foram imageados. Para mapear toda a região (258 mil km2), os dois aviões da OrbiSat percorrerão 1.300 linhas de vôo, com 115 km de extensão e 14 km de largura cada, num total de 1.300 horas de vôo.
Além de fornecer uma visão muito mais precisa da topografia de solo, o trabalho permitirá mapear diferentes composições vegetais e calcular a quantidade de biomassa – matéria vegetal – presente em cada região. Isso graças ao uso simultâneo de duas freqüências de radar, uma que chega até a copa das árvores (banda X) e outra, que chega até o solo (banda P). “Pela diferença entre as duas podemos calcular quanto de biomassa existe em uma determinada área”, explica o general de brigada Pedro Ronalt Vieira, diretor do Serviço Geográfico do Exército.
Contrário à percepção geral de que a Amazônia é um “tapete verde” de floresta homogênea, o bioma amazônico é formado por um mosaico de ecossistemas altamente diferenciados: florestas de mata firme, florestas inundadas, campos, savanas, bambuzais, palmeirais, etc. Saber quanto de biomassa – e, conseqüentemente, quanto de carbono – existe em cada lugar é essencial para entender o papel da Amazônia no futuro climático do planeta.
“O principal usuário será o Exército, mas os mapas serão importantes para várias áreas do governo”, diz o diretor do Censipam, Marcelo Lopes. No caso do levantamento geológico, o setor privado vai investir mais R$ 1,1 bilhão no projeto, de olho nas riquezas minerais que possam estar no subsolo da floresta. Para a atualização das cartas náuticas – essenciais para a segurança da navegação – , serão construídos cinco navios hidrográficos, que ficarão a serviço da Marinha.
“Não conhecemos grande parte da Amazônia, nem sabemos o que tem dentro dela, mas vamos saber ao final dessa missão”, diz o general Luis Carlos Mattos, chefe do Departamento de Ciência e Tecnologia do Exército.
Já de olho no futuro, com GPS e iPhone nas mãos, o general Ronalt quer usar os mapas cartográficos como ponto de partida para um sistema digital de geoinformações, semelhante ao Google Earth, só que ainda mais detalhado. O plano é fazer trabalhos de campo para mapear e coletar informações qualitativas sobre cada comunidade ribeirinha, cada ponte, cada estrada de terra, cada obra de infra-estrutura, cada braço de rio, e acrescentar isso tudo a uma base de dados virtual, que poderia ser consultada via celular ou via GPS em qualquer lugar.
Assim, o usuário poderia saber não só onde existe uma ponte, mas em que condições ela está, do que é feita e quanto peso ela suporta. Ou então, qual língua é falada em uma determinada comunidade e quantas pessoas vivem nela. “Já abandonei o conceito de carta”, avisa Ronalt. “Só falo em geoinformação.” (Fonte: Herton Escobar/ Estadão Online)