Um robô movido a energia nuclear do tamanho de um pequeno automóvel, armado com um canhão de raios laser e que vai pousar com a ajuda de um guindaste voador. Uma sonda projetada para pousar em uma lua instável de 18 km de diâmetro, recolher uma amostra da superfície e disparar um foguete com o material de volta para a Terra, juntamente com uma colônia de bactérias, microorganismos enviados ao espaço para determinar se a vida terrestre é capaz de sobreviver a 34 meses de esposição ao cosmo.
Pode soar como ficção científica, mas essas são as missões Mars Science Laboratory (MSL, ou Laboratório Científico de Marte) e Phobos-Grunt (Solo de Fobos), em preparação, respectivamente, na Nasa e na Agência Espacial Federal da Rússia (Roscosmos) para lançamento em 2011 e no segundo semestre de 2009.
Uma vez a cada dois anos, as posições relativas de Marte e da Terra no espaço favorecem o transporte entre os dois planetas. A oportunidade de 2007 assistiu apenas ao lançamento da sonda americana Phoenix, mas o próximo ano promete uma temporada mais movimentada, ao menos no que diz respeito aos países emergentes: a Phobos-Grunt dará carona à primeira sonda marciana da China, a Yinghuo-1, que ficará em órbita do planeta. Já a Nasa, por conta de difculdades do projeto, vai perder a janela do próximo ano. No início de dezembro, a agência americana anunciou que o MSL, escalado para 2009, teria de esperar até 2011.
“O trabalho está, na verdade, progredindo bem”, disse, na entrevista coletiva em que o adiamento foi anunciado, o administrador da Nasa, Michael Griffin. “Infelizmente, a janela para lançamentos a Marte só se repetem a cada 26 meses”. Com um custo total estimado em US$ 2,2 bilhões, o MSL – e, em conseqüência, a exploração de Marte – representa a principal aposta da Nasa em termos de pesquisa científica para esta década (ou, por conta do adiamento, o início da próxima).
Tanto interesse pelo planeta vermelho pode soar estranho: afinal, Marte é explorado com sondas desde 1965, quando a Mariner-4, da Nasa, enviou à Terra as primeiras 22 fotografias do planeta visto de perto, mostrando uma superfície desértica, marcada por crateras, e confirmando a presença de uma tênue atmosfera de CO2.
Mais perguntas – De lá para cá, o progresso obtido foi enorme – as primeiras fotografias coloridas feitas diretamente na superfície foram enviadas pelas Vikings, nos anos 70. As Vikings também foram as primeiras sondas a realizar experimentos em busca de sinais de vida, obtendo resultados ambíguos que são causa de debate até hoje. Trinta anos mais tarde, em novembro de 2008, a sonda Mars Reconnaissance Orbiter (MRO), bateu o recorde de maior volume de dados enviado à Terra por uma missão espacial: 72,9 terabits, ou mais de 9 mil gigabytes, o que corresponde a cerca de 90 discos rígidos de um computador doméstico médio.
Em 43 de exploração, Marte se revelou um mundo de presente complexo e passado enigmático: tem paisagens, como cânions, leitos de rios e deltas, que parecem esculpidas por água, mas trata-se de uma água que não existe mais na superfície e que pode ter escapado para o espaço ou desaparecido no subsolo.
Marte tem o maior vulcão do Sistema Solar, Olympus Mons, mas parece geologicamente morto. Sua atmosfera de gás carbônico sustenta um clima que atrai cientistas por funcionar como uma versão mais simplificada – um modelo – do que acontece, ou pode vir a acontecer, à medida que aumentam as concentrações de gases do efeito estufa na Terra.
O fato é que cada descoberta feita em Marte dá margem a novas perguntas, tanto a respeito do planeta vermelho quanto a processos que podem ser comuns a todos os planetas terrestres, como explica o engenheiro Ramon Perez de Paula, um dos adminsitradores da missão Phoenix, encerrada no início de novembro: mesmo tendo durado cinco meses do ártico marciano, a sonda ainda deixou várias questões sem resposta.
“Determinamos que há gelo de água no ártico, mas não conseguimos analisar o gelo em si”, explica. “Também vimos que o gelo, em algumas valas no solo, era mais mole que o gelo ao redor, mas não conseguimos descobrir o motivo. O que há nesse gelo? Será que ele contém sais? Será que derrete em certos períodos? Porque o eixo de Marte muda, e pode ser que aquilo derreta em certas épocas. O que se concentra naquelas valetas, misturado ao gelo? Não conseguimos determinar”.
Embora o volume de dados gerado por satélites em órbita seja enorme – como bem exemplifica o recorde do MRO – e esses equipamentos possam cobrir o planeta inteiro, não apenas uma região, como fazem os robôs pousados no solo -, De Paula diz que é necessário integrar a exploração a partir do espaço com a feita “in loco”. Ele lembra que a Phoenix foi enviada para buscar gelo depois que sinais de hidrogênio foram captados por sondas orbitais. “Mas até provarmos, lá, que era mesmo H2O, até tocarmos a água, ninguém ia acreditar”.
O mesmo se aplicaria, diz ele, aos sinais de que a topografia das regiões de Marte mais próximas ao equador teria sido modificada por água corrente no passado. Esses sinais foram levantados por fotografias tiradas do espaço, e reforçados por análises também feitas a partir da órbita marciana.
“Tudo indica que houve água. O pensamento atual é de que os cortes no terreno, as camadas, foram feitos por água, mas para convencer de vez os cientistas é preciso ir até lá e encontrar a confirmação no local”. A confirmação viria sob a forma de moléculas, como carbonatos, que só poderiam ter sido formadas na presença do líquido. Além disso, depósitos deixados pela água de rios ou mares poderiam conter “assinaturas biológicas” – sinais de vida, presente ou passada.
“É preciso manter um equilíbrio entre as missões em órbita e as missões em solo”, diz ele. “Parece que Marte e a Terra começaram muito parecidos, e acabaram muito diferentes. É importante entender o que aconteceu lá, e se poderia ocorrer aqui”.
Laboratório sobre rodas – Solo modificado por água, contendo possíveis sinais de vida, é o alvo do MSL. Os quatro locais candidatos para o pouso do robô são um delta seco de rio; um depósito de camadas sedimentares; uma cratera que provavelmente contém resíduos deixados por enchentes; e uma área com depósitos de argila.
O robô não dependerá do Sol para rodar, já que usa um gerador que produz eletricidade a partir do decaimento radioativo do plutônio. A Nasa lembra que as sondas Viking, as duas primeiras a pousar e funcionar em Marte, também usavam essse tipo de energia.
Como a Phoenix, o MSL levará uma câmera para produzir imagens, incluindo a capacidade de gravar vídeos de alta resolução, e conterá instalações para testar amostras de solo recolhidas por um braço robótico. Além disso, terá um emissor de raios laser para vaporizar amostras de solo a até 10 metros de distância. O objetivo é analisar os gases produzidos. O robô também vai estudar a radiação ambiente em Marte, para ajudar a determinar a capacidade do planeta de abrigar vida e, até mesmo, de receber astronautas no futuro.
A Nasa espera que o MSL seja capaz de percorrer até 200 metros ao dia e possa durar pelo menos um ano marciano, ou 687 dias terrestres.
Fobos – Fobos, a maior das luas de Marte, é o objetivo da missão Phobos-Grunt da Agência Espacial Federal Russa, a Roscosmos. A Rússia pretende realizar o lançamento na janela de 2009. “Cientistas acreditam que as luas de Marte ainda guardam relíquias, susbtâncias que representariam o material de construção do Sol e dos planetas”, explicou ao Estado o presidente da Roscosmos, Anatoly Perminov.
A principal meta da missão Phobos-Grunt é liberar um módulo que pousará nessa lua, recolherá uma amostra de solo e disparará uma cápsula com o material de volta à Terra. A viagem inteira tem duração prevista de cerca de três anos. “Serão recolhidos cerca de 100 gramas”, disse Perminov. Outro módulo permanecerá sobre Fobos, e continuará a realizar pesquisas no local.
A Phobos-Grunt inclui ainda uma sonda orbital, que estudará a lua e Marte a partir do espaço.
Perminov diz essa que a estrutura modular da Phobos-Grunt permite que ela acomode diversos experimentos, como o “caronista” da China e o experimento com bactérias, patrocinado por uma organização não-governamental americana, a Planetary Society. O objetivo desse experimento, chamado “Life” (Vida), é testar a hipótese de que meteoritos poderiam transportar seres vivos entre os planetas.
Futuro – A Nasa não descarta realizar de uma missão para trazer amostras do solo marciano de volta à Terra para análise, o que envolveria um procedimento mais complexo do que o plano russo de trazer um fragmento de Fobos, já que a gravidade do planeta é bem maior que a de sua lua. “Isso envolveria o lançamento da amostra do solo, o encontro da cápsula com uma nave em órbita e o retorno dessa nave à Terra”, disse De Paula. Ele acredita que algo assim possa ocorrer entre 2020 e 2022.
“Além da tecnologia, temos de escolher bem o local, para saber que estaremos tirando uma amostra de um lugar significativo”, pondera.
Mais imediatamente, a agência espacial americana prepara a missão Maven, um satélite para estudar a atmosfera marciana, e que deverá ser lançado em 2013. O desembarque de astronautas, se ocorrer, deve ficar para a década de 2030 ou depois. Mas essas decisões no fim dependem, diz De Paula, das medidas que serão tomadas pelo novo governo americano, que toma posse em janeiro, e de iniciativas de cooperação internacional.
“A cooperação internacional será muito importante”, disse ele. “Porque cria cada vez mais oportunidades e torna as missões mais realizáveis, ao dividir o custo”.
Um documento divulgado recentemente, pela mesma Planetary Society que patrocina o experimento “Life”, sugere um aumento gradual do alcance das missões com astronautas, primeiro em direção a asteróides próximos à Terra e, depois, a Marte.
De Paula diz que é possível que o relatório influencie o futuro governo Obama, uma vez que tem, entre seus signatários, figuras importantes da exploração espacial. “Temos de esperar para ver como tudo isso vai se manifestar nos próximos seis meses”, disse. “Teremos um novo governo, uma nova situação financeira. Algumas coisas vão se modificar e outras, se firmar”.
Perminov, por sua vez, diz que o desenvolvimento da Phobos-Grunt serve, além do objetivo expresso de estudar a lua marciana, à criação de uma plataforma versátil de exploração espacial. “Essa plataforma poderá servir para levar instrumentos científicos à Lua, Marte, Vênus, Júpiter e ao espaço interplanetário. No futuro, diferentes sistemas poderão ser montados nessas plataformas, para o benefício de cientistas russos e de outros países”. (Fonte: Carlos Orsi/ Estadão Online)