Ambientes latino-americanos

Em que contexto está inserida a América Latina quando se analisa a produção científica em ambiente e sociedade? Existiria uma especificidade na produção intelectual latino-americana que refletiria as características históricas, sociais, culturais e, principalmente, ecológicas – como no caso do Brasil, que apresenta grande biodiversidade?

Um grupo de pesquisadores inseridos no Projeto Temático “A questão ambiental, interdisciplinaridade, teoria social e produção intelectual na América Latina”, apoiado pela Fapesp, levanta alguns diagnósticos que não só reafirmam as importantes contribuições dos pesquisadores latino-americanos no debate internacional em temas ligado ao ambiente e à sociedade como também identificam especificidades na produção científica da região.

“Identificamos como peculiaridades não apenas a diversidade de contextos empíricos, mas também a amplitude temática abarcada pelos trabalhos produzidos. Alguns temas se revelaram mais importantes e recorrentes na produção científica latino-americana sobre relações ambiente-sociedade quando comparados à produção dos países mais ricos”, disse Leila da Costa Ferreira, coordenadora do Projeto Temático.

O projeto, segundo a professora titular do Departamento de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), surgiu a partir de um estudo anterior que deu origem ao livro Ideias para uma sociologia da questão ambiental no Brasil (Annablume, 2006). A obra insere a discussão sobre as ciências sociais brasileiras dando ênfase à questão ambiental e algumas conclusões são relevantes do ponto de vista da sociologia do conhecimento científico.

Para Leila, devido a seu “caráter interdisciplinar único” a temática ambiental tem o mérito de apresentar novos problemas e desafios não contemplados pelos clássicos das ciências sociais.

“Esses desafios resultaram na redefinição da agenda de pesquisa de sociólogos, cientistas políticos, antropólogos e economistas, à medida que foram obrigados a incorporar em seus estudos problemas que durante muito tempo foram negligenciados ou colocados de lado por serem considerados de importância marginal”, disse a professora, que também coordena o doutorado em Ambiente e Sociedade na Unicamp.

Chama atenção o fato de a abordagem ambiental ter se desenvolvido tardiamente na sociologia, bem depois do tratamento pioneiro na biologia, ecologia, economia, demografia, geografia, dentre outras. A introdução do debate e da dimensão ambiental no interior das ciências sociais é um subcampo recente e os estudos nessa linha ainda são poucos.

“Ao mesmo tempo, também é surpreendente que em pouquíssimo tempo, nesta última década, a questão ambiental tenha se tornado tema altamente relevante para diversas áreas do conhecimento e mesmo a teoria social contemporânea esteja refletindo essa problemática de modo sistemático e crítico”, afirmou.

O Projeto Temático, com término previsto para dezembro, não tem a pretensão, segundo Leila, de fazer uma análise comparativa, mas uma síntese parcial sobre a produção intelectual de alguns centros latino-americanos nessa área.

“O objetivo geral é sistematizar e revisar criticamente a produção das ciências sociais e dos estudos interdisciplinares sobre a questão ambiental na América Latina. E, especificamente, pretendemos realizar uma discussão teórica e crítica sobre a problemática da interdisciplinaridade tanto do ponto de vista da relação teoria social, ambiente e interdisciplinaridade como do institucional”, explicou.

Leila conta que o recorte para o estudo se inicia a partir da década de 1970, uma vez que é nesse período que se inicia a institucionalização da área de ambiente e sociedade em nível internacional, incluindo a América Latina.

Inovações acadêmicas – A metodologia adotada incluiu visitas a centros de pesquisa por membros do grupo, uma sistemática investigação da extensa bibliografia e entrevistas, além de pesquisas e levantamentos de dados pela internet. Foi também realizado um seminário internacional com os membros dos centros e universidades estudadas e a construção de um banco de dados.

Os centros analisados até o momento são: Instituto para Investigações Amazônicas (Imani), subordinado à Universidade Nacional da Colômbia; Centro Latino-Americano de Ecologia Social (Claes), no Uruguai; Programa para o Meio Ambiente das Nações Unidas (Pnuma), sediado no México; Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal), no Chile; Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso), na Argentina; e a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade (Anppas), no Brasil.

Segundo Leila, ao optar por estudar esses centros de investigação foi preciso seguir alguns critérios, que deixaram de lado outros casos interessantes na América Latina.

“No entanto, é justo dizer que os autores e pesquisadores apresentados pelo trabalho são os que têm mais tradição e experiência na área ambiental, e cujos estudos representam as principais e significativas linhas de pensamento socioambiental que vem se desenvolvendo na América Latina”, salientou.

A partir dos dados reunidos, é possível confirmar algumas das hipóteses que orientaram a pesquisa até agora. Em primeiro lugar, não só a produção científica latino-americana na área de relações ambiente-sociedade tem acompanhado o debate internacional, como também tem introduzido inovações na cena acadêmica.

Essa capacidade de inovação, segundo a professora da Unicamp, pode ser relacionada à perspectiva especial que cientistas latino-americanos desenvolveram em consequência da “posição periférica que ocupam na modernidade”.

“Ao mesmo tempo, na nossa perspectiva, isso não deve dar a impressão de que pesquisadores locais habitam um território cognitivo diferente quando comparados aos seus pares europeus ou norte-americanos. Pesquisadores latino-americanos compartilham com esses outros das mesmas referências epistemológicas, o que torna seus esforços científicos totalmente comunicáveis e mutuamente compreensíveis”, destacou.

Um segundo ponto a ser salientado está nas peculiaridades das pesquisas latino-americanas, não só pela diversidade mas também pela amplitude temática. “Nesse sentido, pobreza, desigualdades sociais, biodiversidade, entre outros temas, aparentemente refletem problemas particulares e dificuldades inerentes à região em escala e intensidade desconhecidas nas partes do globo cuja produção é tomada como bússola para a comunidade acadêmica”, disse.

O grupo publicará em breve, pela Editora da Unicamp, o livro Teoria Social, Interdisciplinaridade e Questão Ambiental na América Latina, como resultado das atividades desenvolvidas no Projeto Temático apoiado pela Fapesp. (Fonte: Alex Sander Alcântara/ Agência Fapesp)