Astrofísica e vida

Associados a explosões de energia extrema em galáxias distantes, os surtos de raios gama (GRB, na sigla em inglês) são os eventos eletromagnéticos mais luminosos do Universo desde o Big Bang.

Utilizando modelos matemáticos, um pesquisador do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da Universidade de São Paulo (USP) avaliou como a ocorrência hipotética de um desses eventos superenergéticos nas proximidades de um planeta afetaria a vida que porventura ali existisse.

O trabalho teórico sugere que os GRB afetariam gravemente os organismos vivos de um planeta com atmosfera semelhante à da Terra ao destruírem boa parte da camada de ozônio.

O estudo de Douglas Galante, em doutorado realizado no IAG com bolsa da FAPESP, resultou na primeira tese defendida no Brasil em astrobiologia – campo do conhecimento surgido recentemente, proveniente da necessidade da integração de conceitos de diferentes áreas para a compreensão da origem e evolução da vida na Terra e, eventualmente, em outros lugares do Universo.

De acordo com Galante, a astrobiologia – uma interface entre a astronomia e a biologia – aborda questões como a formação e detecção de moléculas pré-bióticas em planetas e no meio interestelar, a influência de eventos astrofísicos no surgimento e manutenção da vida na Terra e a análise das condições de viabilidade da vida em outros planetas ou satélites – em especial a vida microbiana.

“Poucos pesquisadores têm trabalhado com astrobiologia no Brasil, por isso a tese foi a primeira na área. Mas ela está ganhando espaço e estamos formalizando a criação de um grupo de estudos nessa área, envolvendo pesquisadores de várias instituições. No IAG, estamos criando também o primeiro laboratório dedicado à pesquisa em astrobiologia”, disse Galante à Agência FAPESP.

O pesquisador, que prepara seu pós-doutorado, explica que o grupo de pesquisas envolve pesquisadores do IAG, do Instituto de Biociências e do Instituto de Oceanografia da USP, além da Universidade Federal do Rio de Janeiro, do lnstituto Nacional de Pesquisas Espaciais e da Pontifícia Universidade Católica de Campinas.

“Meu pós-doutorado consiste na coordenação da construção do novo laboratório no IAG, que será voltado à simulação de ambientes planetários e espaciais e terá possibilidade de estudos com material geológico e biológico. O objetivo é estudar como os microrganismos terrestres sobreviveriam em condições diferentes das que estão acostumados – ou seja, em situações de alta radiação, vácuo, de variações bruscas de temperatura, ou grandes extremos de pressão”, disse.

A astrobiologia, surgida há cerca de 15 anos, tem diversas vertentes, como a busca de vida em outros planetas ou satélites. De caráter especulativo, já que nunca se confirmou a existência de vida extraterrestre, essa vertente se baseia em estudar as condições dos exoplanetas para abrigar vida.

“De forma pragmática, os cientistas procuram fora da Terra planetas com condições de conter material genético. A maneira mais simples para isso é buscar água em estado líquido, uma condição não-suficiente, mas necessária”, disse Galante.

“Mas não podemos garantir que toda vida possua DNA e mesmo as concepções sobre as formas de vida conhecidas atualmente estão mudando, com a descoberta de organismos extremófilos, que conseguem viver no fundo da Terra sem luz, sem água e sob pressões incríveis”, contou.

Início do Universo – No estudo, para quantificar os danos à biosfera, Galante utilizou dois microrganismos como parâmetro biológico: as bactérias Escherichia coli e Deinococcus radiodurans. A primeira extremamente sensível à radiação – em especial a ultravioleta – e a segunda altamente resistente a vários agentes deletérios, como radiação ultravioleta e ionizante, peróxidos orgânicos e dessecação.

“A ideia era descobrir quais seriam os efeitos biológicos de um evento astrofísico superenergético e avaliar como essa radiação iria interagir com a atmosfera e com a biosfera do planeta. O que aprendemos é que o efeito de maior importância não seria o impacto direto da radiação, mas sim a ação da radiação ultravioleta e a influência do vento solar decorrente da destruição da camada de ozônio causada pelos surtos de raios gama”, explicou.

Um evento desse tipo, na avaliação feita por Galante, poderia destruir boa parte da camada de ozônio do planeta se ocorresse em qualquer ponto da galáxia.

“No novo laboratório daremos continuidade a esses estudos, avaliando outras variáveis. Teremos uma grande câmara de vácuo para fazer simulações planetárias e espaciais, além de simuladores solares e várias fontes de radiação”, disse. As instalações do novo laboratório ficarão na sede do IAG em Valinhos (SP), no Observatório Abraão de Moraes.

Para realizar o estudo, foi preciso primeiro modelar a fonte do evento astrofísico e, em seguida, a interação da radiação com a atmosfera. Só depois se pôde entender como os GRB iriam interferir na biosfera. “Utilizamos modelos matemáticos com base em dados experimentais de biologia e dados químicos. O que queremos fazer de agora em diante é irradiar organismos vivos e ver como eles se comportam em diversas situações”, disse Galante.

Os GRB foram descobertos pela primeira vez em 1967 por cientistas russos que procuravam detectar testes com armas nucleares. Embora não haja consenso sobre sua origem – especula-se que eles tenham surgido a partir de supernovas – esses eventos são úteis para o estudo da expansão do Universo.

“Eles têm grande importância cosmológica, pois são os eventos astrofísicos de mais alta energia. Servem para medir parâmetros cosmológicos com grande precisão a distâncias imensas, próximas do início do Universo”, disse. (Fonte: Fábio de Castro/ Agência Fapesp)