Para ter uma oportunidade de chegar perto da Terra, os chamados cometas de longo período – que completam uma órbita a cada 200 anos ou mais e habitam a zona mais externa do sistema solar, a chamada nuvem de Oort – precisam, paradoxalmente, primeiro ir muito longe, atingindo uma distância do Sol suficientemente grande para que suas trajetórias sofram influência decisiva de outras estrelas, ou do restante da galáxia.
Sem esse impulso extra, os cometas da nuvem que tentam chegar à parte interna do sistema solar – que inclui a Terra – acabam expulsos de vez para o espaço interestelar, pela chamada “barreira Júpiter-Saturno”, formada pela influência gravitacional dos planetas gigantes. Assim, os cientistas acreditavam que apenas os cometas da chamada parte externa da nuvem de Oort – os que, no ponto mais longínquo de suas órbitas, chegam a mais de 20.000 vezes a distância que separa a Terra do Sol – teriam chance de chegar perto de nós sem serem expulsos pela barreira.
Mas as coisas podem não ser bem assim. “Em nossas simulações, vimos que alguns cometas da parte interna da nuvem, antes de serem ejetados, têm encontros com Júpiter e Saturno que são muito fracos para expulsá-los, mas que são fortes o bastante para mudar sua distância máxima do Sol. Esses encontros fracos movem algumas dessas distâncias para a nuvem externa”, da onde os cometas podem ser empurrados na direção da Terra, explica o principal autor do artigo na Science, Nathan Kaib, da Universidade de Washington.
O efeito líquido da gravidade dos planetas gigantes sobre a segurança de nosso planeta ainda é uma questão em aberto, no entanto. A colisão de um cometa ou asteroide com Júpiter, na semana passada, provocou comentários sobre o “efeito protetor” da gravidade dos gigantes gasosos, mas Kaib explica que, se esse efeito existe, isso não ocorre porque “Júpiter leva o tiro em nosso lugar”. “Na média, Júpiter e Saturno serão atingidos mais vezes que a Terra porque são maiores e estão mais expostos a corpos pequenos, mas seu papel como ‘protetores planetários’ é causado pela capacidade de ejetar corpos para o espaço interestelar”.
Só que mesmo essa proteção é duvidosa. “De acordo com as simulações que rodei, Júpiter e Saturno reduzem o número de cometas da nuvem de Oort que cruzam a órbita da Terra por um fator de 30”, diz Kaib. “Mas esses planetas também tiveram um papel na formação da nuvem, em primeiro lugar”, destaca. “Além disso, eles têm um papel crítico em ‘pastorear’ cometas de período curto para a Terra, bem como em perturbar asteroides para órbitas que cruzam a da Terra. Então não está claro, ao menos para mim, se o efeito líquido protege ou põe a Terra em risco”.
Astrônomos acreditam que a maioria dos cometas de período curto origina-se numa região do sistema solar mais próxima de nós que a nuvem de Oort: o cinturão de Kuiper, que começa logo além da órbita do planeta Netuno. “O cometa de Halley é um caso à parte”, diz Kaib, referindo-se ao famoso astro que passa perto da Terra a cada 75 anos. “Embora tenha período curto, seu lugar de origem não é conhecido”.
O astrônomo acrescenta ainda que os riscos de impacto de cometas vindos da nuvem de Oort com a Terra são muito menores que os de um impacto de asteroide. Enquanto cometas são corpos gelados que vêm dos limites do sistema solar, os asteroides são rocha e metal e concentram-se, principalmente, num cinturão localizado entre Marte e Júpiter.
A simulação rodada por Kaib mostrou que, mesmo na maior chuva de cometas dos últimos 500 milhões de anos – quando diversos corpos foram deslocados da nuvem de Oort pela passagem próxima de uma estrela – apenas dois ou três, no máximo, teriam atingido a Terra. Já cometas solitários originários da nuvem, desvinculados de chuvas, atingiriam a Terra uma vez a cada 30 milhões ou 40 milhões de anos. “Esse fluxo é muito pequeno se comparado ao de corpos do cinturão de asteroides. Acredita-se que um asteroide de 1 quilômetro ou 2 quilômetros atinge a Terra a cada milhão de anos”. (Fonte: Carlos Orsi/ Estadão Online)