A superpopulação, o modelo de crescimento e a importância da consciência ambiental

Maurício Novaes Souza(1) e Maria Angélica Alves da Silva (2) (*)

Durante o período das chamadas “Revolução Industrial” e “Revolução Verde” não havia preocupação com as questões ambientais. Isso porque os recursos naturais eram abundantes e a poluição não era foco da atenção da sociedade industrial e intelectual da época. Com o crescimento acelerado e desordenado da produção e da população humana mundiais, que resultaram na aceleração dos impactos e degradação ambientais, o resultado que se tem é a escassez dos recursos naturais. Surge então, recentemente, o conflito da sustentabilidade dos sistemas econômico e natural, fazendo do meio ambiente um tema literalmente estratégico e urgente. O homem começa a entender a impossibilidade de transformar as regras da natureza e perceber a importância da reformulação de suas práticas ambientais.

Cabe considerar o conceito “Limites do Crescimento” – de acordo com Marilena Lino de Almeida Lavorato, a humanidade está usando 20% a mais de recursos naturais do que o planeta é capaz de repor. Ou seja, como estamos usando os recursos além de sua capacidade produtiva, significa que os limites do crescimento não foram observados, ultrapassaram-se a capacidade de suporte, de autodepuração e de regeneração dos sistemas. Assim, estão-se avançando sobre os estoques naturais da Terra, comprometendo as gerações atuais e futuras, segundo o Relatório Planeta Vivo 2002 elaborado pelo WWF. De acordo com o relatório, o planeta tem 11,4 bilhões de hectares (ha) de terra e espaço marinho produtivos – ou 1,9 ha de área produtiva per capita. Contudo, a humanidade está usando o equivalente a 13,7 bilhões de ha para produzir os grãos, peixes e crustáceos, carne e derivados, água e energia que consome. Cada um dos 6 bilhões de habitantes da Terra, portanto, usa uma área de 2,3 ha; ou seja, essa é a pegada ecológica de um dos habitantes do Planeta. O fator de maior peso na composição da Pegada Ecológica, nos dias atuais, é a energia, sobretudo nos países mais desenvolvidos.

A Pegada Ecológica de 2,3 ha é uma média. Há grandes diferenças entre as nações mais e menos desenvolvidas, como mostra o Relatório Planeta Vivo, que calculou a Pegada de 146 países com população acima de um milhão de habitantes. Os dados de 1999 mostram que enquanto a Pegada média do consumidor da África e da Ásia não chega 1,4 hectares por pessoa, a do consumidor da Europa Ocidental é de cerca de 5,0 ha e a dos norte-americanos de 9,6 ha. Embora a Pegada brasileira seja de 2,3 ha – dentro da média mundial, está cerca de 20% acima da capacidade biológica produtiva do planeta; ou seja, vivemos a época do horror econômico e ambiental – a época do contra senso.

De acordo com Konrad Zacharias Lorenz, que criou o conceito de “imprinting”, ou cunhagem, todos os dons recebidos pelo homem por intermédio de seu profundo conhecimento da natureza e de seus progressos advindos do desenvolvimento tecnológico, nos mais diversos setores, tais como a química, a informática e a medicina, tudo aquilo que parecia poder atenuar o sofrimento humano, tende, por um espantoso paradoxo, a arruinar a humanidade. Segundo esse mesmo autor, ela ameaça fazer algo que, normalmente, não costuma acontecer em outros sistemas vivos, ou seja, sufocar a si mesma. O pior, nesse processo apocalíptico, é que as qualidades e as faculdades mais nobres do homem são as que parecem destinadas a desaparecer em primeiro lugar, justamente aquelas que mais estimamos, e que são, com justeza, as mais especificamente humanas.

Segundo esse autor, os que vivem em países civilizados de grande densidade demográfica, ou mesmo em grandes cidades, não se têm idéia do quanto nos falta o amor ao próximo, sincero e caloroso. É preciso ter pedido hospitalidade numa região pouco habitada, onde vários quilômetros de estrada ruim separam vizinhos uns dos outros, para medir o quanto o ser humano é hospitaleiro e capaz de simpatizar com os outros quando suas faculdades de contato não são constantemente e excessivamente solicitadas. Na verdade, para esse autor, o ajuntamento humano nas cidades modernas é em grande parte responsável por não sermos mais capazes de distinguir o rosto do próximo nessa fantasmagoria de imagens humanas que mudam, se superpõem e se apagam continuamente. Diante dessa multidão e dessa promiscuidade, nosso amor pelos outros se desgasta a tal ponto que os perdemos de vista. Os que querem ainda ter para com seus semelhantes sentimentos calorosos e benévolos são obrigados a se concentrar em um pequeno número de amigos.

Em artigo recente do jornalista Fernando Martins, “O mito do homem bom e do homem mau”, uma pergunta inicial: o ser humano é bom ou mau por natureza? A resposta a essa pergunta, tão antiga como o homem, moldou todas as instituições políticas e econômicas atuais e a forma como elas nos governam. Também ajudou a reforçar mitos dos quais a sociedade atual não consegue escapar. O filósofo inglês Thomas Hobbes (1588–1674) entendia que o homem é naturalmente egoísta. Para ele, sem um Estado forte que limite as pretensões individuais, haveria uma guerra de todos contra todos. Suas teorias justificaram o absolutismo dos reis europeus, e, posteriormente, todas as formas de autoritarismo e totalitarismo. Mas as idéias “atenuadas” de Hobbes de certa forma também inspiram nações democráticas que crêem no papel de um governo forte para definir os rumos de uma sociedade.

De fato, para Lorenz, nos é impossível amar toda a humanidade, apesar da justeza dessa exigência moral. Somos, portanto obrigados a fazer uma escolha, ou seja, a manter a distância, emocionalmente, numerosos seres dignos de nossa amizade. É um processo absolutamente inevitável para cada um de nós, mas já manchado de desumanidade. Levando mais adiante esse tipo de defesa voluntária contra as relações humanas, veremos que, de conformidade com os fenômenos de exaustão do sentimento, conduz às espantosas manifestações de indiferença que os jornais relatam diariamente. Quanto mais somos levados a viver na promiscuidade das massas, mais cada um de nós se sente acuado pela necessidade de não se envolver. É assim que hoje em dia os ataques à mão armada, o assassinato e o estupro podem acontecer em plena luz do dia, justamente no centro das grandes cidades, nas ruas cheias de gente, sem que sequer um “transeunte” intervenha. Amontoar os homens em espaços limitados leva de forma indireta a atos de desumanidade provocados pelo esgotamento e desaparecimento progressivo dos contatos, e é a causa direta de todo um comportamento agressivo.

Segundo esse mesmo autor, numerosas experiências realizadas em animais nos ensinaram que a agressividade entre congêneres pode ser estimulada amontoando-os em espaço limitado. Quem nunca teve experiência semelhante, quer em cativeiro, quer em situação análoga em que muitas pessoas vivem juntas por força das circunstâncias, não pode avaliar o grau de intensidade a que cega a irritabilidade. E se a pessoa tenta se controlar, se esmera no contato de cada dia, de cada hora, para ter uma atitude delicada e, portanto amigável, para companheiros pelos quais não tem qualquer amizade, a situação vira suplício. A falta de amabilidade generalizada, que podemos observar em todas as grandes cidades, é claramente proporcional à densidade das massas humanas aglomeradas em determinado lugar. Atinge proporções aterradoras nas grandes estações, ou nos terminais de ônibus e de metrô de Nova Iorque, Tóquio e São Paulo, por exemplo.

A superpopulação, que na verdade é produto das chamadas “Revolução Industrial” e “Revolução Verde”, contribui diretamente para gerar todos os problemas, todos os fenômenos de decadência. Acreditar na possibilidade de produzir, graças a um “condicionamento” apropriado, um novo tipo de homem, armado contra as conseqüências nefandas do empilhamento num espaço limitado, me parece uma ilusão perigosa. Isso já é bem registrado em pesquisas com animais. De acordo com José Saramago, há muito tempo que os especialistas em virologia estão convencidos de que o sistema de agricultura intensiva da China meridional foi o principal vetor da mutação gripal: tanto da “deriva” estacional como do episódico “intercâmbio” genômico. Há seis anos que a revista Science publicou um artigo importante em que mostrava que, depois de anos de estabilidade, o vírus da gripe suína da América do Norte havia dado um salto evolutivo vertiginoso. A industrialização, por grandes empresas, da produção pecuária rompeu o que até então tinha sido o monopólio natural da China na evolução da gripe.

De acordo com Saramago, nas últimas décadas, o setor pecuário se transformou em algo que se parece mais à indústria petroquímica que à bucólica “rocinha familiar” que os livros de texto na escola buscam descrever. Em 1966, por exemplo, havia nos Estados Unidos 53 milhões de suínos distribuídos por um milhão de granjas. Atualmente, 65 milhões de porcos se concentram em 65.000 instalações. Isso significou passar das antigas pocilgas às incomensuráveis granjas/depósitos fecais atuais, nos quais, entre o esterco e sob um calor sufocante, prontos para intercambiar agentes patogênicos à velocidade imprevisível, se amontoam dezenas de milhões de animais com mais do que debilitados sistemas imunitários. Não será, certamente, a única causa, mas não poderá ser ignorada.

Voltando a falar de consumo de energia, tem-se de pensar em emissões de poluentes. Nesse aspecto, as diferenças dos índices emitidos pelos países desenvolvidos e em desenvolvimento também são significativas: um cidadão médio norte-americano, por exemplo, responde pela emissão anual de 20 toneladas anuais de dióxido de carbono; um britânico, por 9,2 toneladas; um chinês, por 2,5; um brasileiro, por 1,8; já um ganês ou um nicaragüense, só por 0,2; e um tanzaniano, por 0,1 tonelada anual (Wolfgang Sachs, do Wuppertal Institute).

Nos países industrializados cresce cada vez mais o consumo de recursos naturais provindos dos países em desenvolvimento – a ponto daqueles países já responderem por mais de 80% do consumo total no mundo. Segundo Sachs, 30% dos recursos naturais consumidos na Alemanha vêm de outros países; no Japão, 50%; nos países Baixos, 70%. Dessa forma, o grande desafio da humanidade é promover o desenvolvimento sustentável de forma rápida e eficiente. Este é o paradoxo: sabemos que o tempo está se esgotando, mas não agimos para mudar completamente essa situação antes que seja demasiado tarde.

A escritora Viviane Forrester, em seu livro “O horror econômico”, comenta: depois da exploração do homem pelo homem em nome do capital, o neoliberalismo e seu braço operacional, que é a globalização, criaram, mantêm e ampliam, em nome da sacralidade do mercado, a exclusão de grande parte do gênero humano. O próximo passo será a eliminação? Caminhamos para um holocausto universal, quando a economia modernizada terá repugnância em custear a sobrevivência de quatro quintos da população mundial? Depois de explorados e excluídos, bilhões de seres humanos, considerados supérfluos, devem ser exterminados? Diante a situação em que vivemos, o raciocínio é bem mais do que uma hipótese.

Viu-se no filme “Uma verdade Inconveniente” que uma rã posta na água fervente saltará rapidamente para fora, mas se a água for aquecida gradualmente, ela não se dará conta do aumento da temperatura e tranqüilamente se deixará ferver até morrer. Situação semelhante pode estar ocorrendo conosco em relação à gradual destruição do ambiente natural e dos rumos ditados pelos modelos de desenvolvimento econômico. Hoje, grande parte da sociedade se posiciona como mero espectador dos fatos, esquecendo-se de que somos todos responsáveis pelo futuro que estamos modelando. Como diz Leonardo Boff, devemos exercer a cidadania planetária, e rapidamente.

A conscientização ambiental de massa só será possível com percepção e entendimento do real valor do meio ambiente natural em nossas vidas, que é o fundamento invisível das diferenças socioeconômicas entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. O dia em que cada brasileiro entender como esta questão afeta sua vida de forma direta e irreversível, o meio ambiente não precisará mais de defensores. A sociedade já terá entendido que preservar/conservar o meio ambiente é garantir a própria vida. Fragilizar o meio ambiente é fragilizar a economia, o emprego, a saúde, e tudo mais. Esta falta de entendimento compromete a adequada utilização de nossa maior vantagem competitiva frente ao mundo: recursos hídricos, matriz energética limpa e renovável, biodiversidade, a maior floresta do mundo, e tantas outras vantagens ambientais que nós brasileiros temos e que atrai o olhar do mundo.

Mas, se nada for feito de forma rápida e efetiva, as próximas gerações serão prejudicadas duplamente: pelos impactos ambientais e pela falta de visão de nossa geração em não explorar adequadamente a vantagem competitiva de nossos recursos naturais. As sugestões encontradas nos modelos de gestão ambiental, além de despertarem a consciência ambiental que se faz indispensável nesse momento de crise, podem garantir um modelo de desenvolvimento que seja sustentável.

* (1). Engenheiro Agrônomo, Mestre em Recuperação de Áreas Degradadas e Gestão Ambiental e Doutor em Engenharia de Água e Solo. É professor do IFET/Rio Pomba, coordenador dos cursos Técnico em Meio Ambiente, EAD em Gestão Ambiental e Pós-graduação em Agroecologia e Desenvolvimento Sustentável. É Conselheiro do COPAM e consultor do IBAMA. E-mail: mauriciosnovaes@yahoo.com.br.

(2). Pedagoga e Especialista em Agroecologia e Desenvolvimento Sustentável. É professora das disciplinas Sociologia e Artes do IFET – Rio Pomba. E-mail: gecamau@yahoo.com.br.