Após evasão de cérebros, China tenta atrair cientistas de volta para casa

Em 2008, cientistas nos Estados Unidos não ficaram surpresos quando o prestigiado Instituto Médico Howard Hughes, em Maryland, concedeu uma bolsa de pesquisa no valor de US$ 10 milhões ao biólogo molecular Shi Yigong, da Universidade de Princeton.

Os estudos Shi sobre células já tinham aberto toda uma nova linha de pesquisa para o tratamento do câncer. Em Princeton, seu laboratório ocupava um andar inteiro e contava com uma verba anual de US$ 2 milhões.

A surpresa – choque, na verdade – ocorreu poucos meses depois, quando Shi, um cidadão naturalizado americano que residia havia 18 anos nos Estados Unidos, anunciou que estava partindo definitivamente para trabalhar na China. Ele recusou a bolsa, se desligou de Princeton e virou reitor de ciências biológicas da Universidade Tsinghua, em Pequim.

“Até hoje muitas pessoas não entendem por que voltei para a China”, ele disse recentemente, entre uma vista e outra a seu escritório em Tsinghua. “Especialmente na minha posição, abrindo mão de tudo que tinha.”

“Ele era um de nossos astros”, comentou por telefone Robert Austin, professor de física de Princeton. “Achei aquilo uma loucura total”.

Os líderes da China discordam. Determinados a reverter a evasão de talentos que acompanhou sua abertura para o mundo exterior ao longo das últimas três décadas, eles estão usando seus amplos recursos financeiros – e uma boa dose de orgulho nacional – para atrair cientistas e acadêmicos de volta.

Porém, o retorno de Shi e de alguns outros cientistas renomados é um sinal de que a China está obtendo sucesso mais rapidamente do que muitos especialistas esperavam, ao estreitar a lacuna que a separa dos países tecnologicamente mais avançados.

Investimentos

Os gastos da China em pesquisa e desenvolvimento aumentaram constantemente por uma década e agora representam 1,5% do PIB. Os Estados Unidos dedicam 2,7% de seu PIB a pesquisa e desenvolvimento, mas o percentual da China é muito maior do que o da maioria dos demais países em desenvolvimento.

Cientistas chineses também estão sob pressão para competir com seus colegas no exterior. Na última década, eles quadruplicaram o número de trabalhos científicos publicados por ano.

O total em 2007 ficou atrás apenas do total dos Estados Unidos. Cerca de 5 mil cientistas chineses estão trabalhando apenas no campo emergente da nanotecnologia, segundo um livro recente, “China’s Emerging Technological Edge”, de Denis Fred Simon e Cong Cao, dois especialistas em China baseados nos Estados Unidos.

Um estudo realizado em 2008 pelo Instituto de Tecnologia da Geórgia concluiu que na próxima década, ou duas, a China ultrapassaria os Estados Unidos em sua capacidade de transformar pesquisa e desenvolvimento em produtos e serviços capazes de serem vendidos ao mundo.

“À medida que a China se torna mais exímia em processos inovadores ligando sua crescente pesquisa e desenvolvimento aos empreendimentos comerciais, é preciso ficar atento”, concluiu o estudo.

Mas quantidade não é qualidade. Apesar de seu imenso investimento, a China ainda enfrenta dificuldades em muitas áreas de ciência e tecnologia. Mesmo com o crescimento dos investimentos, a China ocupa apenas o 10º lugar no número de patentes concedidas nos Estados Unidos em 2008.

Para cada quatro estudantes que partiram na última década, apenas um retornou, como mostram estatísticas do governo chinês. Aqueles que obtiveram doutorados em ciência e engenharia por universidades americanas foram os que apresentaram menor probabilidade de retorno ao país.

No entanto, recentemente a China começou a exercer uma grande atração. Nos últimos três anos, cientistas renomados como Shi começaram a retornar aos poucos. E estão voltando com uma missão: sacudir a cultura científica de clientelismo e mediocridade da China, frequentemente citada como seu maior obstáculo para progressos científicos.

Patriota

Eles são atraídos pelo patriotismo, pelo desejo de servir como catalisadores de mudança e sua crença de que o governo chinês os apoiará.

“Senti que devia algo à China”, disse Shi, 42 anos, descrito pelos estudantes de Tsinghua como atencioso e intensamente motivado. “Nos Estados Unidos, tudo está mais ou menos estabelecido. O que quer que venha a fazer aqui, o impacto provavelmente será dez vezes maior, talvez até cem vezes maior.”

Ele e outros como ele deixaram os Estados Unidos com menos pesar do que alguns americanos poderiam imaginar. Apesar de ter sido cortejado por importantes universidades americanas e ter subido rapidamente na hierarquia acadêmica de Princeton, Shi disse acreditar que muitos asiáticos enfrentam barreiras para o crescimento nos Estados Unidos.

Rao Yi, biólogo de 47 anos que deixou a Universidade do Noroeste, em 2007, para se tornar reitor da Escola de Ciências Biológicas da Universidade de Pequim, contrasta o “exame de consciência” da China com a satisfação própria americana. Quando a embaixada americana em Pequim que ele explicasse por que queria renunciar a sua cidadania americana, ele escreveu que os Estados Unidos tinham perdido sua liderança moral após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001. Entretanto, “o povo americano ainda se rejubila na grandeza do país e de si mesmo”, ele disse em carta.

Esses cientistas também não foram uniformemente conquistados pelas virtudes da democracia. Apesar de Rao esperar e acreditar que a China venha a se tornar uma democracia pluripartidária ainda em seu tempo de vida, Shi duvida que esse sistema político “algum dia seja apropriado para a China”.

Liberdade

Quando era estudante em Tsinghua, Shi se uniu a protestos pró-democracia em 1989 na Praça da Paz Celestial. Como democrata registrado nos Estados Unidos, ele participou ativamente das eleições. “A democracia pluripartidária é perfeita para os Estados Unidos”, disse. “Mas crer que a democracia pluripartidária é boa para os Estados Unidos não significa que o mesmo se possa dizer da China”.

Mesmo assim, a retomada ao mundo politizado da ciência na China pode ser desafiadora. Alguns cientistas com currículos mais fracos evitam os recém-chegados. Em sua eleição bienal de acadêmicos do mês passado, a poderosa Academia Chinesa de Ciências, o maior órgão consultivo de ciência e tecnologia da China, ignorou Shi e Rao.

Não reconheceu Wang Xiaodong, conhecido pesquisador do Instituto Médico Howard Hughes que recentemente deixou o Centro Médico da Universidade do Texas, em Dallas, para trabalhar no Instituto Nacional de Ciências Biológicas da China.

A tensão chegou à blogosfera chinesa, onde Shi tem sido atacado, chamado de desonesto e pouco confiável. Num post de 2008, Liu Zhongwu, professor de ciência e engenharia da Universidade de Tecnologia do Sul da China, disse que Shi deveria ser excluído de qualquer projeto que lide com os interesses nacionais da China. “Tenha sempre em mente que ele é um estrangeiro”, escreveu.

Shi e Rao ajudaram a esboçar o novo programa do partido para contratar renomados cientistas estrangeiros, empreendedores e outros especialistas – a manifestação mais recente da campanha do governo para atrair seus estudiosos de volta para casa.

Em maio de 2008, Shi foi convidado a falar sobre o futuro da ciência e tecnologia na China para o vice-presidente Xi Jinping e outros oficiais de alto escalão em Zhongnanhai, o complexo dos líderes em Pequim.

Cinco anos atrás, como chefe de um instituto científico na Universidade do Noroeste, ele usou o mesmo argumento no jornal britânico “Nature”. Rao escreveu que as relações muitas vezes vencem o mérito quando as bolsas são concedidas na China. Ele recomendou abolir o Ministério de Ciência e Tecnologia e redirecionar sua verba para um órgão “de melhor reputação”.

Sua crítica foi banida na China. Porém, no último mês de outubro, o “China Daily”, jornal de língua inglesa comandado pelo estado, a resumiu em um perfil de Rao com a manchete “Um homem com uma missão”.

Em Tsinghua, Shi afirma estar otimista. Em menos de dois anos, ele recrutou cerca de 18 estudantes de pós-doutorado, quase todos dos Estados Unidos. Cada um abriu um laboratório independente. Em uma década, disse ele, o departamento de ciências biológicas de Tsinghua irá quadruplicar.

Shi não finge que a ciência ali está agora no mesmo nível de Princeton. Em vez disso, ele compara Tsinghua a uma respeitada universidade estadual americana.

Porém, segundo ele, “em questão de anos alcançaremos eles”.