O improvável final feliz da conferência global sobre a biodiversidade em Nagoya (Japão), no último dia 29, fez com que um velho sonho dos países em desenvolvimento se tornasse mais viável: lucrar com suas espécies.
“Ficou claro que proteger a biodiversidade é muito mais do que cuidar de bichinho. Trata-se, na verdade, de um recurso estratégico, uma nova fronteira”, disse à Folha a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira.
Para ambientalistas, Teixeira e os demais membros da delegação brasileira estão entre os principais responsáveis pelo surpreendente êxito de Nagoya, que rompeu com 18 anos de impasse nas negociações da CBD (Convenção sobre Diversidade Biológica da ONU).
O Brasil, aliado a outros países em desenvolvimento, recusou-se a negociar um documento que não incluísse propostas de financiamento claras para enfrentar a perda de espécies mundo afora e, principalmente, um regime global de ABS (em inglês, sigla para “acesso e repartição de benefícios” oriundos da biodiversidade).
A pressão funcionou, e o encontro viu o nascimento do Protocolo de Nagoya, que estabelece justamente regras mundiais a respeito de ABS.
Segundo o texto, o uso comercial de substâncias ou genes de qualquer espécie nativa de determinado país (planta, animal ou micróbio, por exemplo) depende do consentimento informado do governo desse país.
Caso dada substância – o princípio ativo de um novo remédio, por exemplo – também seja utilizada tradicionalmente por um povo indígena, digamos, esse grupo também terá de dar sua autorização para o uso. E será necessário um acordo formal para que os lucros da venda do produto sejam repartidos com o país de origem da espécie e o povo indígena.
“Geral, não genérico” – O protocolo, é verdade, não determina porcentagens de divisão de lucros. Também abre a possibilidade de a “repartição de benefícios” envolver compensações não financeiras, como transferência de tecnologia.
“É assim mesmo. É bom que o protocolo seja geral, embora não seja genérico”, brinca Teixeira. “Imagine o caso da China, por exemplo. Lá, os recursos da biodiversidade pertencem mesmo ao Estado, enquanto nós reconhecemos o papel das populações tradicionais no uso desses recursos.”
“Mesmo com esse viés generalista, eu não tenho dúvidas de que o Protocolo de Nagoya vai ser tão importante quanto o Protocolo de Kyoto”, diz o engenheiro florestal Mauro Armelin, coordenador do Programa da Amazônia da ONG WWF-Brasil.
A comparação é com o protocolo que iniciou as tentativas mundiais de diminuir a emissão de gases responsáveis pelo aquecimento global. Assim como Kyoto ajudou a criar um mercado internacional de emissões de carbono entre países ricos e pobres, o novo protocolo pode fazer o mesmo em relação aos recursos da biodiversidade, afirma Armelin.
O desafio agora, diz Teixeira, é refinar as regras nacionais para que cientistas e empresas brasileiras possam criar produtos inovadores seguindo o protocolo. “É claro que a discussão para chegar a isso vai exigir maturidade por parte dos nossos órgãos ambientais”, afirma ela. (Fonte: Reinaldo José Lopes/ Folha.com)