‘Bactérias querem ficar vivas’, diz Nobel de Química sobre antibióticos

A israelense Ada Yonath, vencedora do Nobel de Química em 2009, explica com simplicidade porque a batalha contra bactérias é difícil de ser travada. “É até simples entender como as bactérias desenvolvem resistência. Assim como nós, elas querem ficar vivas”, brinca a pesquisadora de 71 anos, grande parte deles dedicada à pesquisa sobre ribossomos, estruturas dentro das células dos seres vivos, responsáveis pela construção de proteínas e nas quais antibióticos agem para destruir as bactérias.

Durante sua passagem pelo Brasil, Ada falou a uma plateia lotada no Clube Hebraica, em São Paulo, na noite de quinta-feira (21). Aos 71 anos, a cientista ainda se empolga ao falar sobre as estruturas microscópicas que a acompanharam por toda a vida. “O meu grupo de estudo costuma sempre destacar que ‘ribossomos nos fazem felizes'”, lembra Ada.

A israelense explicou também como seu trabalho de detetive permitiu conhecer melhor o interior dessas estruturas, tão pequenas que nem mesmo microscópios eletrônicos são capazes de detectá-las. Somente com o emprego de raios-X foi possível mapear toda a arquitetura dos ribossomos.

O trabalho de “detetive” de Ada foi possível por meio de uma técnica conhecida como cristalografia de raios-X. Com uso de baixas temperaturas, a cientista conseguiu cristalizar os ribossomos e definir a posição de cada átomo. Este feito foi o que rendeu à pesquisadora do Instituto Weizmann de Ciência, em Israel, o prêmio máximo da comunidade científica, após mais de 25 anos de pesquisa.

Usinas e alvos de ataque – Ribossomos são verdadeiras “usinas” de proteínas. Para saber como montá-las, eles utilizam a informação contida no DNA da célula, que chega ao ribossomo por meio de um transporte. Esse “trem” genético é o RNA mensageiro, uma fita igual ao DNA, porém sem a famosa dupla hélice.

Com o “manual” genético, os ribossomos conseguem ligar aminoácidos, as unidades básicas das proteínas, em longas cadeias. A eficiência desse trabalho de produção impressiona. A cada um milhão de proteínas criadas, apenas uma apresenta erro.

A velocidade das fábricas também enche os olhos de Ada. “Ribossomos produzem 15 dessas cadeias por segundo. No laboratório, nós conseguimos fazer uma a cada oito horas. Até hoje me impressiono com números como esse”, comenta a israelense.

É uma rapidez comparável a da vida de bactérias. Segundo Ada, os micro-organismos duram de apenas alguns minutos a até seis horas. É o tempo suficiente para a reprodução acontecer. Dentro de apenas um dia, várias gerações de bactérias podem se desenvolver, o que aumenta as chances de versões mais resistentes de bactérias sobreviverem e passar adiante uma herança genética “forte”.

Esse é o motivo da necessidade do antibiótico agir rápido e direto ao ponto. “É como uma luta entre Davi e Golias. As bactérias são gigantes e os antibióticos, pequenos, mas atacam exatamente onde é necessário”, diz Ada. Esse calcanhar de Aquiles dos micro-organismos é exatamente o ribossomo.

Muitos antibióticos atuam na defesa do corpo tentando “paralisar” os ribossomos de bactérias. Ao terem bloqueados túneis dos ribossomos, os seres vivos ficam sem um local para produzir uma das substâncias mais fundamentais à vida. A sobrevivência da célula e do organismo como um todo fica inviável.

O problema de garantir que o ataque também não atinja as células humanas é outro motivo para a pesquisa de Ada ser importante. O conhecimento da estrutura do ribossomo abre espaço para o desenvolvimento de antibióticos mais eficazes por parte de uma indústria desconfiada demais para investir em medicamentos caros e usados poucas vezes. “É preciso que as empresas farmacêuticas trabalhem junto aos cientistas para gerar novos medicamentos e até mesmo para deixar, eventualmente, o custo menor”, diz a cientista. (Fonte: Mário Barra/ G1)