Produtoras de ferro-gusa do polo de Carajás, na Amazônia, continuam usando carvão de origem ilegal, burlando um instituto que elas mesmas criaram há sete anos para fiscalizar a produção do insumo.
A conclusão é de um relatório produzido pela ONG Observatório Social, que desde 2004 investiga a produção de gusa no polo siderúrgico – o maior do país depois do de Minas Gerais.
O documento corrobora denúncias feitas recentemente pelo casal de líderes extrativistas José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva, cujos assassinatos no final de maio em Nova Ipixuna (PA) levaram o governo federal a montar uma operação para brecar a violência rural na Amazônia.
No relatório, a ONG comparou a produção real de gusa no ano passado e a produção possível com o carvão fiscalizado pelo ICC (Instituto Carvão Cidadão).
O instituto foi criado pelas empresas em 2004 para auditar as carvoarias, em resposta a uma pesquisa do próprio Observatório Social daquele ano, que diagnosticou trabalho análogo ao escravo na produção carvoeira.
O resultado da comparação foi que, no caso de metade das guseiras avaliadas (quatro), a produção real excedeu a produção possível em até 155%.
Procuradas, essas quatro empresas negaram usar carvão ilegal e contestaram os dados e métodos do cálculo. O Observatório Social diz que mantém seus critérios.
Segundo a ONG, as carvoarias não auditadas pelo ICC utilizam madeira fruto do desmatamento ilegal e submetem seus trabalhadores a condições degradantes.
Essas práticas já foram anteriormente detectadas pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e pelo Ministério do Trabalho.
Em 2005, o órgão ambiental federal aplicou uma multa de R$ 500 milhões às siderúrgicas. “O problema permanece”, disse à Antônio Carlos Hummel, diretor do Serviço Florestal Brasileiro, que coordenou a operação do Ibama à época.
Novo esquema – A ONG diz que a cadeia produtiva carvoeira da região criou novas maneiras de comercialização para burlar o ICC.
Na nova fraude os fornecedores auditados pelo instituto funcionariam como atravessadores, comprando o produto ilegal de carvoarias menores e revendendo-o às empresas.
Pouco antes de morrer, o casal de extrativistas de Nova Ipixuna procurou o Ministério Público Federal para dizer que assentados da reforma agrária estavam vendendo madeira para essas carvoarias irregulares, a preços muito abaixo dos de mercado.
As investigações policiais não encontraram até agora ligação entre essas denúncias e o assassinato do casal.
Funcionários do Ibama da região de Marabá (PA) ouvidos pela Folha, sob anonimato, confirmaram o teor das denúncias feitas pela ONG.
Mesmo sabendo do uso de carvão ilegal, disseram que pouco podem fazer para barrá-lo, pois não há pessoal suficiente para fiscalizar.
Um dos elementos apontados pela ONG para a continuidade da ilegalidade é a crise financeira de 2008, que quase paralisou as guseiras. O carvão irregular custa um décimo do preço do carvão legal.
Para Hummel, só o uso de madeira reflorestada pode sanar o setor. Existe hoje um deficit de 200 mil hectares de florestas plantadas para suprir o polo de Carajás.
O governo chegou a estudar um programa de plantação de eucalipto na região, mas o projeto não foi adiante. (Fonte: João Carlos Magalhães e Filipe Coutinho/ Folha.com)