Costa da Flórida sente o fim dos ônibus espaciais

Trabalhadores do Centro Espacial Kennedy sempre souberam que com o fim do programa do ônibus espacial a Costa Espacial da Flórida (como é conhecida o entorno do centro da Nasa) teria sérios problemas. Eles apenas não conseguiram prever a gravidade deles.

Com cortes de cerca de 7.000 empregos e as vagas disponíveis desaparecidas desde o ano passado – quando o presidente Barack Obama desfez planos de retorno dos astronautas à Lua –, os futuros desempregados e aqueles que já perderam seus empregos agora estão competindo em um mercado de trabalho onde mais de uma em cada dez pessoas estão desempregadas.

E os trabalhadores da Costa Espacial ainda estão sentindo os efeitos da crise imobiliária, que torna mais difícil vender suas casas e se mudar para outra localidade para procurar trabalho. “Parece que tudo está mudando para o pior”, disse Kevin Smith, presidente do sindicato local de bombeiros, paramédicos e oficiais para aterrissagem de emergência do Centro Espacial. “As pessoas estão competindo até para as menores coisas lá fora”.

A Costa Espacial já enfrentou tempos difíceis antes. Houve um momento entre o fim do Programa Apollo no meio dos anos 1970 até o lançamento do primeiro Ônibus Espacial em 1981, mas, naquela época, os trabalhadores da área espacial e de negócios tinham o ônibus espacial para olhar adiante ao final dos seis anos de hiato.

Não existe nenhum programa como esse para funcionários como o engenheiro Tony Crisafulli, que vai ser demitido dois dias depois que o Atlantis retornar da sua última missão em julho. “Todos nós estamos trabalhando sabendo que vamos perder nossos empregos em alguns dias”, diz Crisafulli, que trabalha no centro espacial há aproximadamente 23 anos.

O programa Constellation (era visto como uma opção para o final do programa espacial, mas com o cancelamento do projeto, 2000 empregos foram eliminados.“Todos nós estávamos contando com o fato que seriamos remanejados durante a transição” disse Crisafulli “Ao menos era alguma coisa”.
O governo Obama tem o plano de construir uma nova cápsula e um foguete gigante para levar os astronautas a um asteróide e depois a Marte. Já para levar carga e astronautas para a Estação Espacial Internacional, o governo está contando que empresas privadas irão construir as naves espaciais para este fim.

Efeito cascata – As agências de emprego locais estimam que a Nasa injeta 1,2 bilhão de dólares (1,8 bilhão de reais) na economia da Flórida e que dois empregos serão perdidos para cada cargo eliminado no programa aeroespacial.

No auge do programa do ônibus espaciais, o Centro Espacial Kennedy contava com 17 mil trabalhadores que trabalhavam principalmente para empresas privadas. Após a aposentadoria dos ônibus, irão sobrar apenas 8500 empregos. Eles irão finalizar o programa, preparar os ônibus para os museus, cuidar de missões não tripuladas e testar a nova cápsula espacial.

O programa espacial vai além dos empregos, ele faz parte da identidade da região que se estende ao longo da Flórida até a Costa do Atlântico. Essa era uma área tranquila conhecida por sua vegetação e por seus resorts antes de ser escolhida no final dos anos 1950 para ser o local onde os Estados Unidos entraria na Era Espacial.

Com o lançamento dos foguetes Saturn, as comunidades de Titusville, Cabo Canaveral, Meritt Island e Cocoa Beach, receberam engenheiros altamente qualificados, gerentes de projetos e técnicos, e a indústria aeroespacial se tornou dominante na área.

O código DDD é 321. Escolas infantis ganharam o nome de ônibus espaciais e há a Escola Astronauta e a Escola Satélite de Ensino Médio. As pessoas podem ir até o restaurante Moon Hut (Toca da Lua, em inglês), e turistas podem dormir em uma cama parecida com a dos ônibus espaciais no Best Western Space Shuttle Inn em Titusville.

Restaurantes e comércios já estão começando a sentir os efeitos do apertar dos cintos e os moradores da região começaram a ficar em casa para poupar dinheiro. Depois de julho, demorará bastante até que os hotéis estejam lotados como geralmente acontecia para o lançamento de ônibus espaciais.

Centenas de milhares de espectadores iam a Brevard County para assistir aos lançamentos. “Todos estão começando a sentir o beliscão. Pessoas não estão trabalhando. Elas estão economizando”, disse Donna Trash, que organiza um workshop para trabalhadores da indústria aeroespacial em Brevard Workforce. “A cada lançamento essa área fica cheia de pessoas e todo mundo se beneficia disso.”.

Crise imobiliária agrava situação – A Costa Espacial teve anos para se preparar para o final dos ônibus espaciais, mas durante o anúncio em 2004, os tempos eram diferentes. Na época, a taxa de desemprego na Flórida era de 3.5%, o boom imobiliário alimentava o crescimento da construção e a Costa Espacial tinha as propriedades mais caras no centro da Flórida.

Agora, a taxa de desemprego é de 20,6%, o crescimento desapareceu e surgem cada vez mais placas de vende-se nas vizinhanças. “O número de pessoas que encontraram outro emprego é insignificante. Você quase tem que se mudar para conseguir outro trabalho”, disse Lew Jamieson, presidente do sindicato local de pessoas que prestam apoio ao lançamento de ônibus espaciais.

Os trabalhos na indústria aeroespacial que seriam naturais para as pessoas demitidas do programa do ônibus espacial estão em locais como a Carolina do Sul, Oklahoma e o Pacífico Norte. A Boeing e outras empresas aeroespaciais que possuem trabalhadores no centro espacial estão contratando para trabalhar em suas fábricas de avião. “Não precisamos de cientistas especializados em foguetes para construir aviões comerciais, mas necessitamos de pessoas inteligentes”, disse Stephen Davis, relações públicas da Boeing.

Esses empregos, no entanto, estão na casa das dúzias, talvez centenas na melhor das hipóteses. E mesmo que esses trabalhadores sejam contratados fora da Flórida, eles ainda teriam que vender suas casas durante o maior colapso imobiliário em décadas. O valor médio de uma casa em Cabo Canaveral, cidade mais próxima do centro espacial, saiu de cerca de 250 mil dólares em 2007 para aproximadamente 110 mil dólares em maio, de acordo com o site da imobiliária Zillow.

O técnico espacial Giovanni Pinzon disse que a mudança é complicada para trabalhadores que como ele que se estabeleceram na área com uma família e casa. “Eu consideraria sair do estado. É minha última opção e eu ainda não a descartei completamente”, disse Pinzon, 47, que também vai ser demitido dois dias depois da aterrissagem do último ônibus espacial.

Raymond Steele diz que ainda está lutando desde que perdeu seu emprego como engenheiro de logística no programa lunar e seu casamento entrou em colapso. Mas, aos 57 anos, ele está mais preocupado com o futuro da costa espacial, local que ainda chama de lar.

“Há um enorme efeito dominó”, disse Steele. “Não se trata apenas de engenheiros aeroespaciais como eu que são demitidos. Há esposas, crianças, escolas, restaurantes. Não se trata apenas de empregos e sim de comunidades”. (Fonte: Portal iG)