O chocalho mágico da Velha do Cerrado bateu para exorcizar os males. Uma mandala viva foi criada para que os cuidadores da região pensem e reflitam sobre suas necessidades. As lembranças dos milhões de anos do bioma, o mais antigo do mundo, foram reavivadas para acessar a memória ancestral das quase 100 nações indígenas que convivem na região.
Esses povos sobreviveram e vem vivendo ao longo de milhares de anos neste território e podem ensinar ao mundo como conviver com as rudezas do espaço sem transformá-lo, alterando, sem retorno, sua geografia.
No último dia das comemorações da Semana do Cerrado as pessoas celebraram o momento invocando sons, cores, texturas, sabores, envolvendo os participantes numa atmosfera típica dos ritos executados por antigas gerações. As cascas de jatobá, as ramas dos Ingás, as sementes dos Ipês, as esculturas produzidas por essa natureza diferente eram como colchas de retalhos contando histórias de antigos habitantes.
Os participantes do encontro, professores e alunos da Universidade de Brasília (UnB) e especialistas convidados, não eram meros expectadores passivos. Foram todos envolvidos pelo momento lúdico de danças e palmas e, de mãos dadas, batendo os pés de forma ritmada dançaram e se envolveram no movimento de mandala viva, ao redor do desenho “Águas do Brasil”.
Um vaso transparente encimando a Bandeira do Brasil representava a memória ancestral das águas. Quando se fala em Cerrado, como se esquecer de suas nascentes e das águas subterrâneas, armazenada para outros tempos de uso.
Como disse a professora Vera Catalão, uma as autoras do livro Água como Matriz Ecopedagógica: “O fluxo das águas é inexorável, correr faz parte da natureza. Ela aceita ser tocada, mas nunca detida. Diante dos obstáculos ela os contorna e flui”. Uma das organizadoras do evento, a professora cita em seu livro o professor Pierre Garel que diz que “o corpo sutil da água permite uma comunicação imaterial. Permite as transformações à curta distância, sem energia física”.
A beleza do Cerrado não é explícita. É preciso tempo e observação para desvendá-la. Até mesmo para admirar a exposição de fotos do Cerrado do artista goiano João Caetano, é preciso um olhar diferenciado. As formas retratadas fogem do padrão convencional.
Troncos retorcidos não são apenas troncos retorcidos, mas representações de outras formas, como um veado galheiro ou uma cabeça de boi. Algumas flores estranhas guardam dentro de si outras formas de vida. Toda essa diferença chama para uma reflexão, para uma observação que leva tempo. Só então se revela sua essência.
É como fixar os olhos numa mandala e ser levado para outro tipo de realidade. A educadora ambiental Stefania Montiel, embora nascida em Pernambuco, trouxe para suas obras essa beleza mística do Cerrado do Centro-Oeste. Ela escolheu utilizar as formas das mandalas para transportar o espectador para além do palpável. “Utilizo o círculo como forma geométrica perfeita para levar os indivíduos a um processo de interiorização, de reflexão”.
Ela explica que sua arte conta histórias inteiras tecidas em formas, cores e texturas diferentes e utiliza simbolismos para revelar a saga da dura resistência desse bioma que é preciso preservar.
O Cerrado celebrou seu dia. O ciclo de comemorações se completou com um festival de comidas típicas do Cerrado. Suco de cajuzinho, castanhas de baru, bolo de fubá, quebrador. E, para não esquecer suas mazelas de queimadas e desmatamento, começou simbolicamente a semana reunindo num café da manhã, no Jardim Botânico de Brasília, bombeiros e os técnicos do Prevfogo. (Fonte: Suelene Gusmão/ MMA)