Pelo visto, os sujeitos que viviam na gruta de Maba (sul da China) há uns 150 mil anos seguiam à risca o clichê do homem das cavernas de desenho animado: seu esporte predileto era usar uma clava (ou coisa parecida) para martelar a testa do próximo.
OK, há um tantinho de exagero na afirmação acima, mas o fato é que a caverna chinesa abriga o que pode ser o mais antigo registro de uma briga feia entre ancestrais do homem.
Trata-se de um crânio humano com um ferimento tão característico que só poderia ter sido provocado por outra pessoa, com intenções nada benevolentes.
A conclusão tragicômica está em artigo na revista científica “PNAS”, assinado por pesquisadores da China, da África do Sul e dos EUA.
Um deles é o paleoantropólogo americano Erik Trinkaus, da Universidade Washington em Saint Louis, uma das maiores autoridades do mundo em neandertais (primos um pouco mais arcaicos do homem).
Os habitantes de Maba, embora não fossem neandertais, certamente eram, tal como eles, membros primitivos do nosso gênero, o Homo – os seres humanos modernos ainda não tinham deixado a África quando a caverna estava sendo ocupada.
O crânio que é o centro da nova pesquisa foi encontrado em 1958. Estava em cacos (o osso chegou a ser roído por um porco-espinho depois que a carne se decompôs, estimam os cientistas) e precisou ser remontado.
Só agora os paleoantropólogos conseguiram fazer uma análise detalhada dos fragmentos da caveira, que parece se encaixar com a hipótese de uma pancada de clava.
Afundado – A pista decisiva é uma lesão em forma de semicírculo, medindo 1,5 cm, que afundou o crânio do pobre sujeito.
Uma tomografia computadorizada revelou que o golpe não foi suficiente para matar o humano primitivo instantaneamente: o osso cicatrizou, o que significa que ele sobreviveu ao menos alguns meses após ser atingido.
Os cientistas compararam a lesão com outros tipos de desgraças que poderiam afetar um crânio (antigo ou moderno), como infecções, problemas nutricionais ou simples trombadas, e concluíram que o mais provável é que alguém usou um instrumento de pedra, madeira ou osso para acertar a vítima.
Dá para olhar o caso de dois ângulos bem diferentes. O primeiro é que a violência entre humanos tem raízes muito antigas. De fato, o índice de mortes violentas e ferimentos em “combate” em sítios arqueológicos mais recentes e povos caçadores-coletores atuais é elevadíssimo.
O segundo, mais otimista, envolve a longa sobrevivência do hominídeo ferido.
Durante um bom tempo após a lesão, ele foi incapaz de se virar sozinho, o que significa que seus companheiros de grupo tiveram de tomar conta dele até que a lesão cicatrizasse. Trata-se de um legítimo caso de compaixão das cavernas. (Fonte: Reinaldo José Lopes/ Folha.com)