A mosca das frutas parece levar uma vida tranquila. Ela procura por frutas passadas, onde deposita seus ovos. Em seguida, as larvas nascem e se alimentam da levedura e das bactérias que fazem com que a fruta apodreça.
Na realidade, porém, essas moscas precisam combater inimigos horripilantes. Vespas minúsculas saem à procura das larvas e depositam ovos em seu interior. As vespas crescem dentro das moscas ainda vivas, alimentando-se de seus tecidos. Ao atingirem o tamanho de adultas, as vespas saem lentamente dos corpos moribundos de suas hospedeiras.
Contudo, as moscas não são vítimas impotentes. No periódico Current Biology, Todd Schlenke, biólogo da Universidade de Emory, e seus colegas relatam a notável defesa usada por esses insetos: eles ficam bêbados para matar os parasitas.
Schlenke descobriu essa tática enquanto estudava a Drosophila melanogaster, uma espécie comum de mosca-das-frutas. Conforme comem a levedura, elas também ingerem o álcool produzido pela levedura durante a decomposição do açúcar. A fermentação da levedura pode deixar uma banana em putrefação com uma concentração alcoólica mais alta que a de uma garrafa de cerveja.
Esse ambiente alcoolizado pode ser tóxico para os animais. A única explicação para a Drosophila melanogaster se alimentar de frutas em decomposição é que ela desenvolveu enzimas especiais que removem as toxinas do álcool rapidamente.
Schlenke estava bastante ciente de que muitos insetos obtêm suas defesas na alimentação. A borboleta-monarca, por exemplo, fica protegida dos pássaros devido aos compostos tóxicos que obtém das plantas asclepiadáceas das quais se alimenta. Para observar como o álcool influencia os inimigos da mosca das frutas, Schlenke soltou vespas parasitoides chamadas Leptopilina heterotoma.
Schlenke permitiu que as vespas atacassem dois tipos de larvas de moscas: um criado com alimentos sem álcool e outro que recebeu alimentos com um incremento de 6 por cento de álcool. Na presença do álcool, as vespas depositaram 60 por cento menos ovos, talvez devido à elevação de vapores provenientes do alimento. “Tudo indica que as vespas sentiram-se muito mal”, afirmou Schlenke.
Constatou-se que o álcool piorou ainda mais a situação dos ovos. O desenvolvimento das vespas que viviam dentro de moscas cuja alimentação não continha álcool foi sempre normal. Porém, 65 por cento das vespas que estavam dentro de moscas alcoolizadas morreram.
Schlenke descobriu que elas tiveram uma morte horrível: todos os órgãos internos das vespas haviam sido lançados para fora pelo ânus. “Todas as tripas estão fora das vespas”, afirmou. “Não sei como explicar isso”.
Esse efeito mortal ocorria apenas se as moscas consumissem álcool após as vespas terem depositado os ovos dentro delas. A ingestão de álcool de antemão, em contrapartida, exercia pouco efeito. Essa descoberta fez com que Schlenke quisesse saber se as moscas saíam à procura de álcool para matar as vespas, usando a substância como remédio. “Eu quis saber se elas eram inteligentes o suficiente para saber disso”, afirmou ele.
Para descobrir se isso ocorria, ele e seus colegas encheram placas de Petri com alimentos com alto teor alcoólico de um lado e alimentos sem álcool do outro lado. Em seguida, colocaram as moscas que não tinham vespas dentro de si do lado sem álcool. Passado um dia, eles perceberam que 30 por cento das moscas haviam se deslocado lentamente para o lado com álcool. Quando repetiram o experimento com moscas infestadas com vespas, 80 por cento delas tomaram a direção do álcool. “Há uma grande diferença aqui”, afirmou Schlenke.
O mesmo ocorreu quando as moscas começaram pelo lado com álcool: 40 por cento das moscas saudáveis moveram-se lentamente para o outro lado após 24 horas. Muitas larvas infestadas também começaram a ir para o outro lado, mas depois voltaram para o lado com álcool. Schlenke considera que estavam saindo em busca de concentrações ainda maiores de álcool, que pudessem ser mais tóxicas para os parasitas.
“Elas sabem que estão infectadas com vespas e saem à procura de álcool”, afirmou Schlenke. “As moscas ficam bêbadas para se automedicar.”
Algumas vespas parecem ter desenvolvido meios de contornar essa defesa alcoolizada. Schlenke repetiu o experimento usando outra espécie: a L. boulardi, que, ao contrário da outra vespa, consegue depositar seus ovos apenas na D. melanogaster. Schlenke percebeu que os danos para a vespa especialista L. boulardi eram bem menores quando sua hospedeira consumia álcool. Apenas 10 por cento de suas larvas morreram, em comparação com a mortalidade de 65 por cento das L. heterotoma. Schlenke suspeita que a especialização da L. boulardi permita que ela supere o problema com o álcool. “As vespas acompanham suas hospedeiras ao longo do tempo evolucionário”, afirmou.
“Esse artigo é instigante sob diversos aspectos”, afirmou Michael Singer, biólogo da Universidade Wesleyan, que não esteve envolvido no estudo. Ao longo dos anos, os cientistas reuniram alguns exemplos de animais que se automedicam. O chimpanzé, por exemplo, alimenta-se de plantas com compostos antiparasitários quando tem vermes intestinais. Singer e seus colegas demonstraram que a lagarta de um gênero de traça da família Arctiidae fazem um esforço extra para comer folhas de plantas tóxicas quando moscas parasíticas depositam ovos em seu interior. Porém, a pesquisa de Schlenke é a primeira a mostrar que um animal usa o álcool como medicamento.
O álcool é comum na natureza e Schlenke cogita a possibilidade de outras espécies procurarem por ele para se automedicar. Contudo, quando se trata do ser humano, Schlenke não faz ideia se uma grande bebedeira pode exercer algum efeito sobre os parasitas.
“Até onde eu posso afirmar, ninguém examinou ainda se nós humanos podemos dificultar a vida de nossos agentes patológicos transmitidos pelo sangue aumentando o nível de álcool do sangue”, afirmou. (Fonte: Portal iG)