Projeções feitas por pesquisadores do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) com base em tendências climáticas apontam para uma acentuada “aridização” (aumento da aridez) no sertão brasileiro nas próximas décadas.
Se os cenários previstos pelos cientistas estiverem corretos, não só a região crescerá em extensão, como também se tornará cada vez mais árida.
“É importante notar que estas são apenas estimativas. Mas os dados sugerem que as áreas de semiárido podem se ampliar em até 12% até meados do século”, diz José Marengo, pesquisador do Inpe.
Isso equivaleria a um aumento de quase 29 mil quilômetros quadrados – área similar à do Estado de Alagoas – na região sujeita a secas, acrescenta o pesquisador.
Projeções elaboradas por Marengo e sua equipe mostram, no centro dessa vasta região semiárida, o crescimento de uma grande mancha de “hiperaridez”. Em 2070, ela avançaria para o norte da Bahia, quase todo o interior de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte, parte do sudeste do Piauí, além de alguns outros pontos isolados em outras partes do país.
“Essas regiões hiperáridas são as que podem, no longo prazo, se tornar desertos por uma combinação de condições climáticas e fatores antrópicos (relacionados à ação humana, como desmatamento)”, diz Marengo.
“O processo de desertificação se comporta como um câncer, se ampliando quando não é combatido”, acrescenta.
O grau de aridez é determinado pelo equilíbrio entre a quantidade de chuva que chega à terra e o volume de evaporação. Aridez significa ausência de água, e essa condição por um período prolongado pode levar à desertificação, à ausência de vida, diz Marengo.
Humberto Barbosa, coordenador do laboratório de meteorologia da Universidade Federal de Alagoas, observa que, nas áreas mais secas do Nordeste, chove em média 800 milímetros de água por ano, mas a “evapotranspiração” (perda de água dos solos por evaporação e perda de água das plantas por transpiração) passa dos 3 mil milímetros por ano.
Barbosa diz que secas como a deste ano aceleram o processo de desertificação, que já é causado pelo uso não sustentável do solo. “A agricultura de subsistência de milho e feijão feita pelo sertanejo demanda muito de um solo, que já é bastante pobre”, avalia o pesquisador.
Atualmente, há quatro “núcleos de desertificação” formalmente identificados – e reconhecidos – pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) em território brasileiro.
Todos eles estão no sertão nordestino: Seridó (RN), Irauçaba (CE), Gilbués (PI) e Cabrobó (PE). Juntos, somam mais de 18 mil quilômetros quadrados.
O coordenador-geral da ONG Centro de Assessoria e a Apoio aos Trabalhadores e Instituições Não-Governamentais Alternativas (Caatinga), Paulo Pedro de Carvalho, observa que outro problema é a dependência do sertanejo da vegetação para geração de energia.
“Há estudos que mostram que 30% de toda a energia usada na caatinga (incluindo consumo doméstico) vem da lenha”, diz Carvalho.
Risco ambiental – Dados históricos indicam que o semiárido já perdeu quase 50% de sua cobertura vegetal, a caatinga, bioma que especialistas costumam descrever como o mais típico do Brasil.
Além do desmatamento feito para abrir espaço para agricultura familiar ou para fornecer lenha à família, a devastação também ocorre para atender a setores como gesso e cerâmica, que usam a madeira em seus fornos.
Nas regiões de divisa entre Pernambuco e Ceará, é comum passar por campos devastados (com tocos espalhados pelas propriedades denunciando desmatamento recente) e por caminhões carregando enormes cargas de madeira, com aparência de torres mal equilibradas.
O governo brasileiro tem um plano de combate à desertificação coordenado pelo MMA e há uma expectativa de que novas medidas sobre o assunto possam ser anunciadas durante a conferência Rio+20.
O diretor de combate à desertificação do Ministério do Meio Ambiente, Francisco Campelo, diz que a chave para retardar, pelo menos parcialmente, o processo é investir em estratégias de desenvolvimento sustentável.
“Já temos diversas empresas dos polos de gesso do Ceará e de cerâmica de Pernambuco que estão adotando praticas sustentáveis e usando madeiras certificadas”, diz Campelo.
Mas ele observa que, em muitos casos, a estratégia será a de aceitar que o processo está acontecendo e se adaptar a ele. “Precisamos de uma ampla discussão com as populações e da implantação de tecnologias sociais que permitam a vida digna na seca”, afirma. (Fonte: Folha.com)