Construído na propriedade que pertenceu ao traficante Pablo Escobar, morto em 1993, o Parque Hacienda Nápoles tenta desvincular-se da imagem do antigo dono. Mas o sucesso do parque, que deve chegar a receber 150 mil visitantes este ano, vem da manada de hipopótamos que abriga e das ruínas da antiga casa na fazenda – ambos legados deixados por Escobar.
Segundo estimativa da administração do parque, a Hacienda vai triplicar a quantidade de visitantes com relação a 2008, quando 51 mil passaram pelo local. No ano passado, foram 115 mil pessoas.
A grande atração é a manada de hipopótamos, com entre 30 e 40 animais, que vivem livremente nas águas das represas. Eles já estão na terceira geração reproduzida dentro da fazenda, desde que o traficante trouxe um casal e duas fêmeas do zoológico de San Diego (EUA) para o seu zoológico particular, montado no começo dos anos 1980.
O único grupo da espécie a se reproduzir em ambiente livre fora da África pode ser observado bem de perto, separado dos visitantes do parque apenas por uma cerca.
Nanci Herrera viajou de Bogotá, a 250 quilômetros, e trouxe os dois filhos, Leide Herrera, de 9 anos, e Jonathan, de 12. Encantadas, as crianças ficaram duas horas observando os hipopótamos.
“Eles quase não saem da água, mas dá pra ver a cabeça deles daqui!”, diz a menina animada, enquanto o irmão comenta: “daqui a pouco vão trazer a comida deles. Quero esperar para ver se eles saem”, disse.
A comida é deixada às margens da represa, do lado contrário ao local de observação. A refeição é distribuída por dois motivos.
De acordo com o administrador da Hacienda, Oberdan Martínez, o primeiro é aumentar as chances de que as pessoas vejam os animais, que poucas vezes saem da água durante o dia.
O segundo, tentar condicionar os animais a não deixarem as águas da represa, que estão dentro da fazenda. “Com comida abundante, diminuímos as chances de eles saírem daqui”, comenta.
‘Escapadas’ – A preocupação vem do fato de que os animais podem se deslocar pelas águas e chegar aos rios colombianos. A mais famosa “escapada” foi em 2009, quando o macho Pepe, nascido na fazenda, foi encontrado no Magdalena, maior rio navegável do país, com outras fêmeas. A tentativa de levá-lo de volta ao parque fracassou, e o Exército o sacrificou. Sua morte gerou comoção e revolta entre colombianos.
O administrador da Hacienda conta que não é possível dizer quantos hipopótamos estão fora da fazenda hoje. Segundo ele, o principal motivo das “fugas” é a disputa de poder entre os machos da manada. Quando isso acontece, o macho mais jovem costuma sair para formar seu próprio grupo. “Foi isso que aconteceu a Pepe”, conta o administrador do parque.
Ele acredita que atualmente não existam hipopótamos no Rio Magdalena. Mas diz que existem alguns em represas de fazendas vizinhas e que pode haver uma fêmea e um filhote no Rio San Bartolo, na altura do município de Puerto Berrioe, em Antioquia.
“O que aconteceu é que, depois da morte de Pepe, os moradores das fazendas deixaram de reportar a presença dos animais, temendo que eles fossem mortos”, conta.
Oberdan não esconde que se preocupa com isso. Os hipopótamos são territoriais, e a água é o seu território. “Se eles chegam a rios frequentados por humanos e que tenham embarcações, podem atacá-las e causar graves acidentes”, comenta.
Pensando nisso, a fazenda começou um processo de esterilização dos animais, e o trabalho para condicioná-los ao habitat, oferecendo comida, por exemplo. “Como última alternativa, teríamos que devolvê-los para a África, mas isso não é viável”, destaca.
Um animal vive em média 50 anos. O líder da manada é o hipopótamo chamado de “Viejo”. Quando Escobar o trouxe de San Diego, o animal tinha 8 anos. Agora, tem mais de 35 anos. Ele só pode ser distinguido porque é o maior e o mais gordo dentre os animais.
Vanessa, a mascote – Da manada de hipopótamos, eles separaram Vanessa, que se tornou a mascote da fazenda após ser rejeitada pelos companheiros.
De acordo com o administrador, casos assim são comuns. A pequena hipopótamo tem quatro anos e meio e é da terceira geração de animais nascida no local.
Ela foi colocada em um espaço dentro do zoológico do parque, fora da área das represas. Mansa, ela pode ser alimentada com pedaços de cenoura por visitantes e, acostumada, fica sempre perto da cerca à espera da “guloseima”. Vanessa é pequena para sua idade – comparada aos seres humanos, ela seria hoje uma adolescente.
O crescimento de Vanessa pode ter sido afetado pelo fato de ela ter sido rejeitada pela manada muito cedo, quando ainda dependia do leite materno.
Outro animal rejeitado ano passado não teve a mesma sorte de Vanessa. O bebê hipopótamo rejeitado pela mãe foi colocado junto a Vanessa, mas ela também o rejeitou no seu espaço. O hipopótamo morreu porque era muito pequeno e não conseguiu se adaptar.
Mudanças previstas – Talvez pensando em problemas futuros com a manada, o parque já começa a investir em outras atrações. Trouxe outros animais, como tigres, zebras e leões (dos animais da época de Escobar, só restaram os hipopótamos).
A administração também investiu em parques aquáticos e temáticos e abriu dois hotéis internos, que oferecem pacotes de lua de mel.
A entrada do parque ainda conserva um avião bimotor, ícone da fazenda do traficante que usava aeronaves para transportar cocaína. Mas a aeronave foi pintada de “zebra” porque, segundo o parque, a ideia é diminuir gradativamente as atrações relacionadas ao traficante.
A praça de touradas construída pelo traficante tem atualmente uma galeria de fotos de Escobar com a família e de encontros com políticos. Em breve, a atração será desativada e começará a funcionar ali um museu relacionado à África.
As ruínas da casa que o traficante construiu não foram restauradas pela direção do parque. No local, funciona um museu que conta a história de Escobar, com jornais e fotos.
Na entrada, estão os carros da antiga coleção que foram queimados pelos Pepes, grupo armado composto por vítimas que queriam vingança pelos crimes cometidos pelo traficante.
Chama a atenção a piscina abandonada e um grande cartaz com a frase: “Ganhou o Estado colombiano”.
O comerciante Alfonso Cifuentes mora em Bucaramanga, capital do departamento de Santander. Ele diz que conheceu a fazenda em 1982, no auge do poder de Escobar. “A gente visitava essa região e queria ver de perto a riqueza dele, que era tão comentada. É impactante ver o que restou daquele império”.
O ambiente é inóspito. As fotos de vítimas, dos políticos mortos, das explosões e atentados provocam sensações fortes. Carmem Luísa vive em Medellín e veio visitar o parque.
“Quando entrei na casa me deu vontade de chorar e senti um calafrio. É muito ruim ver tudo isso”, conta a mulher.
Ao todo, a fazenda de Pablo Escobar tinha 2.995 hectares de terra, que foram devolvidos ao município de Puerto Triunfo, após o confisco dos bens do traficante. O parque ocupa 1.500 hectares, que são propriedade do município. A Hacienda é administrada por uma empresa que paga aluguel à cidade para explorar a área comercialmente.
Oberdan admite que o nome da fazenda não foi mudado pelo “apelo” do que se relaciona ao traficante. Mas ele acredita que isso deve ser repensado com o passar dos anos. “Não queremos viver de apologia ao crime, e vemos que as pessoas podem se cansar do tema”, avalia. (Fonte: Leandra Felipe/ G1)