Uma lista negra é uma das formas criadas pelo Ministério do Meio Ambiente para combater a devastação na Amazônia. Criada em 2008, ela denuncia os municípios campeões do desmatamento. De tempos em tempos, o órgão inclui novos municípios, a partir de dados coletados pelo satélite. Estar na lista cria uma série de problemas para a economia local e para a produção agropecuária. Sair dela não é nada fácil.
As reservas indígenas em território Caiapó são as únicas áreas intactas em São Felix do Xingu, município com 84 mil quilômetros quadrados. É quase o dobro do estado do Rio de Janeiro. O desmatamento é proporcional ao tamanho. A cobertura vegetal desapareceu em mais de 20% da área.
Há quatro anos, São Felix do Xingu tenta sair da incômoda posição de primeiro do ranking entre os maiores desmatadores da Amazônia brasileira. Ao todo, são 47 municípios de seis estados. O primeiro passo é traçar o mapa das propriedades e fazer o Cadastro Ambiental Rural (CAR).
Nada é perto em São Felix do Xingu. Para fazer o cadastramento ambiental no extremo sul do município, por exemplo, partindo da cidade, os técnicos precisam viajar 920 quilômetros em estrada cheia de buraco e com muita poeira. Os técnicos do cadastramento passam dias inteiros em cima da moto, sofrendo para chegar ao destino.
O produtor rural Antônio Chaves, dono de cem hectares, vive da pecuária leiteira, da criação de porcos e galinhas. Ele chegou de Minas Gerais há 34 anos como operário de uma empreiteira. Na época, a orientação do próprio governo era desmatar. “Quem desmatasse mais, tinha. Se fosse hoje, eu fazia diferente. Eu era mais fácil preservar o mato do que fazer pasto. Eu, pra mim, tinha mais lucro. Eu acredito que tinha”, diz.
O produtor ficou apenas com 20% de reserva legal, muito abaixo do que a lei exige para a Amazônia. Ele terá que reflorestar pelo menos 30 hectares e quer começar logo, com a ajuda do técnico do CAR. Mas nem todos os fazendeiros abrem as porteiras para o cadastramento ambiental.
Em 2008, em São Felix do Xingu foram derrubados mais de 700 quilômetros quadrados de floresta. Nos anos seguintes, houve queda dos números. Em 2009, passaram para 442 km². Em 2010, foram para 354 km². No último levantamento, em 2011, ficaram e 140 km². Apesar da redução, o número ainda está 3 ½ vezes acima do máximo permitido, de 40 km².
Segundo o secretário municipal do Meio Ambiente, Luiz Alberto Araújo, são as grandes fazendas de pecuárias que mais desmatam. O gado é o principal negócio da região. O rebanho, que passa de dois milhões de cabeças, é o maior do Brasil.
A lista negra, do Ministério do Meio Ambiente, não pune diretamente os municípios, mas os prejuízos para as prefeituras são incalculáveis, porque os donos das terras, os produtores rurais, arcam com todas as consequências. Eles não podem tomar dinheiro em banco nem vender a produção. Até o gado está proibido de deixar a fazenda.
O produtor rural Pedro Vieira até consegue vender os bois. Ele já fez o cadastro ambiental, mas não pode precisar do banco. “Hoje, nós não consegue nenhum benefício bancário como empréstimo, custeio, compra de máquina ou beneficio nenhum. Eu, hoje, se eu quiser pagar os meus funcionários eu tenho que vender uma carreta de vaca, uma carretinha de boi para poder pagar os funcionários no fim do mês”, diz.
Rebanho embargado no pasto, dívidas na praça e cheque sem fundo. Para complicar a situação, o pecuarista Francisco da Costa foi multado pelo Ibama por um desmatamento recente. Assim, a cidade do boi vai pisando no freio. O comércio é obrigado a vender fiado. Nem a pequena loja de roupas escapa da crise. O faturamento da comerciante Zilda Zilda Nunes caiu pela metade.
O produtor rural Altamiro Lourenço tem apenas 80 hectares de terra, mas a família vai bem. A mesa é farta, a casa foi reformada e há até um carrinho na garagem. Tudo foi conquistado depois que ele diversificou a produção da fazenda. O cacau diminuiu o pasto.
Como em qualquer lugar do mundo, cacau é dinheiro no bolso. Além do mais, a cultura começa a ajudar no reflorestamento da mata em São Felix. A pequena mata do produtor guarda uma sumaúma, uma preciosidade.
O município de Anapu, no centro do Pará, acabou de entrar na lista dos grandes desmatadores. No ano passado, o lugar perdeu 225 quilômetros quadrados, mais de 20 mil hectares de floresta, quase o triplo que em 2010. A maior parte da derrubada se concentra em terras da reforma agrária. Duas mil famílias vivem em lotes distribuídos pelo Incra.
No assentamento Grotão da Onça fica uma área queimada recentemente. Por lei, até os assentamentos da reforma agrária são obrigados a preservar 80% da floresta como reserva legal. Mas não é o que ocorre em Anapu. Muitos colonos já derrubaram quase tudo pra vender a madeira.
O cenário sombrio é no lote de 150 hectares ocupados pelo agricultor Luzivaldo Santos. Oficialmente ele não é dono. Ele comprou de um segundo ocupante, que não conheceu. Sem fiscalização, a área de reserva legal só encolhe. Santos podia derrubar 30 hectares, mas 45 hectares já tombaram e ele se prepara para desmatar mais um pedaço. “Eu vendo a árvore por R$ 40. O metro cúbico da árvore é vendido por cerca de R$ 1 mil a R$ 1,2 mil”, diz.
É esse mesmo o preço da madeira nas serrarias de Anapu. Em uma árvore que custa R$ 40, o madeireiro tem mais de mil reais de lucro. A equipe de reportagem tentou visitar algumas serrarias, mas os donos nem quiseram receber a reportagem. A propriedade embargada pelo Ibama em 2008 continua funcionando ilegalmente com outro nome.
No interior do Pará há muitos casos de violência contra quem tenta defender a floresta. Uma religiosa foi morta em uma emboscada. O crime repercutiu no mundo inteiro. A missionária americana Dorothy Stang trabalhava na região para que a convivência entre os assentamentos da reforma agrária e a floresta fosse pacífica. A ideia era fazer com todos os agricultores pudessem produzir agricultura e até extrair madeira de forma sustentável. Ela foi assassinada no assentamento Esperança em fevereiro de 2005. No período de sete anos o município já perdeu mais de 600 km², uma área quase do tamanho de Salvador, na Bahia.
O Incra funciona em uma casa que até pouco tempo era uma boate. O chefe do escritório diz que sabe das invasões e dos desmatamentos, mas não dá conta de três municípios, 12 mil lotes e apenas seis servidores.
A reforma agrária ocupa 70% do território do município de Anapu e há derrubada em todos os assentamentos. Hoje, nos seis assentamentos há quase tudo por fazer. Em nenhum deles tem água potável ou luz elétrica. Apenas em um deles há escola e posto de saúde. É uma situação de extrema pobreza que induz à devastação. Na Amazônia paraense, a floresta agoniza em pequenas e grandes propriedades. Tudo vira cinza e pasto. É um cemitério de cumarus, ipês, jatobás, castanheiras, sumaúmas, mognos, andirobas e angelins. (Fonte: G1)