Agrotóxicos que ameaçam abelhas ficam proibidos em dezembro na UE

A Comissão Europeia (CE) confirmou nesta sexta-feira (24) que a partir de dezembro ficará proibido por dois anos o uso de três pesticidas neonicotinoides na União Europeia.

Os inseticidas são considerados suspeitos de causar a morte em massa de abelhas no continente e são comercializados pelas empresas alemã Bayer e suíça Sygenta.

A proibição entra em vigor em 1º de dezembro e está baseada em um relatório da agência europeia responsável pela segurança alimentar, a EFSA. A medida envolve os inseticidas clotianidina, tiametoxam e imidaclopride. “As restrições entrarão em vigor em 1º de dezembro de 2013 e serão reexaminadas em dois anos”, afirma a Comissão em um comunicado.

Segundo o relatório, os pesticidas provocariam a paralisia ou morte das abelhas. Há muitos anos a comunidade científica alerta sobre a morte de milhões de abelhas, consideradas vitais para manter o ecossistema e o desenvolvimento da agricultura europeia, ao favorecer a polinização.

Discussão também acontece no Brasil – O uso de defensivos agrícolas neonicotinoides – e sua proibição – também está em discussão no Brasil. O governo alega que não há motivo para pânico no país, mesmo após a decisão da União Europeia e o recebimento de notícias alarmantes de mortes de abelhas nos EUA. De acordo com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama), apesar de preocupante, a situação do Brasil não é alarmante.

Em entrevista ao G1, Marcio Freitas, coordenador geral de avaliação de substâncias químicas do Ibama, disse que a possível relação do uso dos neonicotinoides (que tem origem na molécula de nicotina) com as mortes de abelhas começou ser discutida internacionalmente partir de 2008.

Há três anos o instituto investiga o impacto de inseticidas na apicultura nacional. Entre 2010 e 2012, identificou mais de cem casos de mortes em massa de abelhas pelo país, e todas elas estariam relacionadas à pulverização de agrotóxicos.

Investigações científicas publicados em periódicos como a “Nature” sugerem que tais produtos provocam uma intoxicação nas abelhas, um fenômeno chamado de “distúrbio do colapso das colônias”, quando os insetos não retornam às colmeias e morrem fora dela, após o corpo sofrer um “curto-circuito” devido à excessiva exposição aos componentes químicos.

Prejuízo na economia – Em 19 de julho de 2012, uma portaria publicada no “Diário Oficial da União” proibiu temporariamente a pulverização de defensivos com clotianidina, imidacloprida e tiametoxam por via aérea, até que uma reavaliação dos produtos fosse feita.

Porém, explica Freitas, por ser prejudicado com a medida, o setor agrícola do país, incluindo o Ministério da Agricultura, se mobilizou contra a decisão, que foi alterada por uma nova portaria, desta vez publicada em janeiro deste ano. A regra também valia para o fipronil.

Com isso, as culturas de soja, trigo, arroz, algodão e cana-de-açúcar poderiam continuar a pulverização com agrotóxicos neonicotinoides na safra 2012/2013, exceto no período de floração, mas teriam que notificar apicultores ao menos 48 horas antes de as aplicações ocorrerem. “O setor agrícola elencou uma série de prejuízos econômicos se o uso desses produtos fosse interrompido”, disse Freitas.

Ainda segundo Freitas, apesar de o Brasil utilizar os mesmos tipos de agrotóxicos empregados na Europa e nos EUA, a decisão de seguir o caminho da União Europeia, vetando de vez os produtos, causaria um impacto muito maior na agricultura brasileira. Para ele, a Europa tem uma quantidade muito menor de insetos e, por isso, a percepção da redução ficou amplificada.

De acordo com o representante do Ibama, produtoras de defensivos já realizam testes adaptados à realidade brasileira, seguindo metodologias criadas na Europa. “Vamos saber se, de fato, o uso desses defensivos causa a toxicidade crônica das abelhas. Isso pode determinar a alteração na condição do registro desses produtos, levando à proibição ou limitação de uso para determinadas culturas”, explica Freitas.

Resultados sobre a reavaliação dos compostos químicos devem ser divulgados até o fim do ano, segundo o Ibama. Inicialmente, apenas a imidacloprida está em análise. Ao mesmo tempo, o Ministério da Agricultura pesquisa compostos alternativos para substituir defensivos agrícolas neonicotinoides.

Risco para a polinização – Segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO, na sigla em inglês), estima-se que 73% das espécies vegetais cultivadas no mundo sejam polinizadas por alguma espécie de abelha.

Em termos globais, os serviços de polinização prestados por estes insetos – seja no ecossistema ou nos sistemas agrícolas – são avaliados em US$ 54 bilhões por ano.

De acordo com José Gomercindo Correa da Cunha, presidente da Câmara setorial do Mel no Ministério da Agricultura, a mortalidade de abelhas preocupa várias entidades e os produtores de mel, que são cerca de 350 mil.

“No Brasil temos as abelhas africanizadas (resultantes do cruzamento de abelhas africanas e europeias), além de 150 espécies nativas, que produzem polinização especializada e contribuem com a biodiversidade. Já existem defensivos menos agressivos ao meio ambiente. Essa sinalização da Europa certamente será acompanhada de perto”, disse Cunha.

‘Celeiro do mundo’ – Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam um aumento no uso de agrotóxicos entre 2000 e 2009, quando a relação de quilos por hectare aumentou de 3 kg para mais de 3,5 kg. Em 2010, o país ultrapassou a marca de um milhão de toneladas, segundo dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Em 2008, o Brasil se destacou como o maior consumidor do produto no mundo, respondendo por 86% da quantidade de agrotóxico vendida na América Latina.

Entre os agrotóxicos mais usados no país destacam-se os herbicidas (71,1%), os inseticidas (66,4%) e os fungicidas (55,3%).

De acordo com Ricardo Camargo, pesquisador da Embrapa Meio Ambiente, a atual prática agrícola do Brasil oferece risco a todos os animais polinizadores (insetos, aves e mamíferos).

“Não há prática sustentável, mas sim aplicação massiva de defensivos, com muita gente usando doses acima dos limites permitidos e materiais que já foram banidos em outros países”, explica.

“Toda a biodiversidade está sendo prejudicada quando se passa um pesticida, que pode tentar matar um agente, mas pode impactar o seu redor. Usa-se muito a informação de que o Brasil é o celeiro do mundo, mas a que preço estamos nisso?”, complementa o pesquisador. (Fonte: G1)