Pesquisadores e diretores de órgãos ligados ao controle de testes com animais no Brasil defenderam que as cobaias sejam expostas ao mínimo de sofrimento nas experiências em laboratório, em entrevistas dadas ao G1.
Ratos, camundongos e outros bichos devem ser substituídos em experimentos sempre que possível por meios alternativos, como modelos de computador, vídeos, células criadas “in vitro” e outros artifícios, disse Marcelo Morales, coordenador do Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea), órgão ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.
Ele cita como exemplo testes feitos pela indústria cosmética que empregavam coelhos – xampus eram gotejados nos olhos dos animais para saber o grau de irritação. “Era feito de forma cruel. Hoje você tem técnicas alternativas comprovadas que podem substituir, como pele artificial humana”, diz Morales, também professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Ele afirma, no entanto, que entraves burocráticos para importar certos tipos de alternativas dificultam a substituição – caso da pele artificial. “É um teste validado cientificamente, pode substituir, mas é produzido no exterior”, diz. “Tem uma burocracia [para importar], para na alfândega. Na hora que chega [no laboratório], venceu o prazo de validade”, comenta.
O governo tem buscado saídas – o Ministério da Ciência e Tecnologia e o CNPq fizeram juntos um edital para a produção de pele artificial no Brasil, diz o cientista. As alternativas, no entanto, ainda são poucas, na avaliação dele.
Sem animais, não dá – Tanto Morales quanto Vera Maria Peters, presidente da Sociedade Brasileira de Ciência em Animais de Laboratório (Sbcal), concordaram que testes com animais são fundamentais para o avanço científico brasileiro.
Eles consideraram que a hipótese de abolir experimentos com bichos dificultaria e poderia até parar pesquisas importantes e a produção de vacinas no Brasil, por exemplo.
“Queremos que o Brasil não produza mais vacinas? Pesquisa em células-tronco, com câncer, tudo isso não seria possível sem testes em animais”, diz o coordenador do Concea. São as experiências em ratos que permitem avaliar a segurança de um imunizante de uma campanha de vacinação, de acordo com Morales. “Nenhum lote sai da Fiocruz sem testar em animais.”
Vera enfatiza que os testes em laboratório, hoje, são controlados por uma lei aprovada em 2008, chamada Lei Arouca. Fiscalização e monitoramento das condições a que os animais são submetidos são imprescindíveis e as instituições de ensino ou pesquisa (universidades, institutos, laboratórios da indústria farmacêutica) que fazem testes com bichos são obrigadas a ter comissões de ética de uso animal – formadas por técnicos, pesquisadores e membros da própria instituição.
“Cabe a essa comissão acompanhar, vistoriar, registrar dados, avaliar se a pesquisa está dentro dos procedimentos éticos e remeter as informações ao governo”, diz a presidente da Sbcal. Há punições previstas para equipes de cientistas que praticarem maus-tratos e crueldade contra os animais, assim como sanções à universidade ou instituição de ensino, pondera.
As punições vão desde a suspensão da pesquisa, a advertência, a multa e até a interdição definitiva do laboratório. “Dependendo da gravidade e do número de ocorrências, a instituição pode ficar proibida para sempre de usar animais [em testes]”, diz Morales.
Todos os pesquisadores precisam submeter os pedidos de testes com animais às comissões de ética da sua universidade, que os aprovam ou rejeitam, diz o dirigente do Concea. Quem não tiver comissão de ética definida, seja faculdade, laboratório médico ou outra instituição de pesquisa, está em situação ilegal e corre risco de ser punido, afirma.
Vera concorda com a substituição dos animais por meios alternativos de testes em laboratório, e completa: “se for possível fazer a pesquisa em menor tempo, usar menos animais, refinar mais as técnicas, devemos tentar fazer isso.”
Credenciamento – “Temos mais de 400 instituições que pediram credenciamento do Concea”, diz o professor da UFRJ, referindo-se a laboratórios e universidades que enviaram pedidos por utilizarem pesquisas com animais.
Como os procedimentos previstos para o controle dos testes com animais ainda estão sendo implementados, a exigência atual é que as instituições façam só o pedido de credenciamento antes de avaliar e iniciar os testes – quem fez isso está dentro da lei, afirma Morales.
No futuro deve ser exigida a aprovação do credenciamento e o envio de relatórios anuais sobre testes, diz o pesquisador. Os documentos devem ser enviados ao Concea – órgão central de fiscalização das análises que usam animais em laboratório.
Condições ruins – Em relação aos biotérios (locais onde são criados e mantidos os animais para testes), os pesquisadores admitem condições ruins em institutos e universidades pelo Brasil. Falta planejamento, infraestrutura e existe risco de contaminação em alguns deles.
“A grande maioria dos biotérios precisa ser mudada. A partir do momento que o Concea lançar o conjunto de regras de como deve ser [o local], todas as instituições vão ter que modificar os seus”, afirma Morales. Ele ressalta, no entanto, haver alguns de primeira linha, como na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
O poder público vai ter que incentivar a melhoria dos biotérios, quer através das agências de fomento (CPNq, Fapesp) ou de outras maneiras, avalia o pesquisador. “O Brasil tem que avançar com relação aos biotérios. Esse é o próximo passo”, disse o cientista. “Para haver produção de remédios, os animais têm que ser extremamente controlados, não dá para ter risco de contaminação.”
Um passo classificado como “urgente” pelo cientista é o de oferecer treinamento e capacitação para técnicos que cuidam dos animais nos biotérios de instituições públicas de pesquisa. “Temos que montar um plano nacional de formação de recursos humanos na área de bioterismo”, ponderou. (Fonte: G1)