Estudo explica caráter atípico de família de asteroides do Sistema Solar

O caráter atípico da família de asteroides de Eufrosina – uma das várias situadas entre os planetas Marte e Júpiter, que durante anos intrigou os astrônomos – acaba de ser explicado pela equipe liderada por Valerio Carruba, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Guaratinguetá. A explicação, apresentada na conferência Asteroids, Comets, Meteors 2014, em Helsinque, na Finlândia, é tema de um artigo que será publicado em breve pela revista The Astrophysical Journal (ApJ).

O trabalho faz parte da pesquisa “Famílias de asteroides em ressonâncias seculares”, apoiada pela FAPESP.

A peculiaridade dessa família, composta por mais de 2,5 mil objetos, vem do fato de que – exceto pelo asteroide principal, Eufrosina, que dá nome ao grupo – ela tem poucos asteroides grandes ou médios, com diâmetros entre 8 e 12 quilômetros. O Eufrosina concentra 99% da massa da família. Os demais objetos são muito pequenos.

“Isso faz com que a linha que descreve a distribuição em tamanho dos objetos seja extremamente inclinada”, disse Carruba à Agência FAPESP. “A inclinação dessa curva é indicada por um parâmetro denominado alfa. Um valor de alfa da ordem de 3,8 caracteriza as famílias de asteroides do mesmo tipo. O valor de alfa para Eufrosina, porém, é bem maior: da ordem de 4,4”.

Mais de meio milhão de asteroides fazem parte do chamado “cinturão principal”, situado entre as órbitas de Marte e Júpiter. Em razão das descobertas, esse número aumenta constantemente.

Alguns asteroides são agrupados em famílias, cada uma das quais supostamente originada a partir de um corpo progenitor, fragmentado após colisões com outros corpos. A antiga ideia de um corpo único originando todo o cinturão principal está hoje descartada, até porque a composição química das diversas famílias é bastante diferente.

“Reconhecemos, atualmente, dois tipos de formação de famílias. Um, quando o objeto progenitor é totalmente quebrado. Outro, quando ele é apenas ‘craterizado’ [isto é, quando crateras são formadas em sua superfície]. A família de Eufrosina faria parte desse segundo grupo. É muito provável que todos os objetos pequenos que a compõem tenham se originado do material arrancado de uma cratera existente na superfície do asteroide principal”, afirmou Carruba.

Mesmo assim, o fato de a família apresentar bem poucos corpos grandes ou médios era considerado estranho. “Isso porque, usualmente, as famílias tendem a perder, com muito mais facilidade, os objetos pequenos, desgarrados do grupo durante sua evolução dinâmica”, explicou o pesquisador. “Então, uma família com tantos objetos pequenos, poucos corpos de tamanho médio, e um único objeto grande constituía, realmente, uma situação bastante original.”

Uma explicação para isso foi proposta por outros grupos de astrônomos tempos atrás. “Imaginou-se que o material formador da família havia sido arrancado de Eufrosina por um impacto tangencial. Em função disso, os objetos maiores teriam se formado muito perto dela, caindo depois de volta no corpo principal”, disse Carruba.

O problema com tal explicação é que esse tipo de impacto, se existiu, constituiria um evento extremamente raro. Diante disso, Carruba e colegas decidiram buscar uma explicação alternativa. “O que nos chamou de imediato a atenção foi o fato de Eufrosina ser a única família de asteroides cruzada no meio pela ressonância nu6”, comentou o pesquisador.

Uma ressonância de movimento médio ocorre quando dois corpos que orbitam um terceiro têm seus períodos orbitais relacionando-se na razão de dois números inteiros pequenos.

“Exemplo clássico de ressonância é a que existe nas lacunas de Kirkwood, no cinturão de asteroides. Quando o período de revolução do asteroide [o tempo que leva para dar uma volta completa ao redor do Sol] é igual a duas vezes o período de revolução de Júpiter, as perturbações deste planeta sobre o asteroide se repetem periodicamente, e podem causar aumentos na excentricidade da órbita do asteroide, levando a instabilidades”, informou Carruba.

Simulação computacional – O fato de a família de Eufrosina ser atravessada pela ressonância nu6 influencia fortemente o movimento de seus objetos.

O pericentro da órbita de um planeta, cometa ou asteroide é o ponto no qual a trajetória do corpo mais se aproxima do Sol. O pericentro, porém, não é fixo. Ele muda de posição periodicamente em razão da perturbação gravitacional causada pelos demais planetas. Esse movimento periódico é chamado de precessão do pericentro.

“A ressonância nu6 acontece quando a frequência da precessão dos pericentros dos asteroides é igual ou bem próxima à frequência da precessão do pericentro do planeta Saturno”, disse Carruba.

Segundo o pesquisador, a ressonância nu6 é uma das ressonâncias mais poderosas do Sistema Solar. “Muitos objetos que interagem com essa ressonância são rapidamente perdidos, porque ela aumenta a excentricidade de suas órbitas, fazendo com que se choquem com os planetas ou com o Sol”, afirmou.

Como a ressonância nu6 atravessa a família de Eufrosina praticamente no meio, a região central é a que sofre maior influência. E essa região é justamente aquela onde se encontram os objetos maiores.

“Fizemos uma simulação computacional da evolução dinâmica da família de Eufrosina. Partimos de uma família fictícia, com o alfa característico para um grupo do mesmo tipo. E calculamos a variação desse parâmetro em uma escala de um bilhão de anos”, relatou o pesquisador.

“Verificamos que o valor de alfa, que informa a distribuição em tamanho dos objetos da família, aumenta com o passar do tempo. Em um intervalo de 500 milhões de anos, ele alcançou o valor atual medido na família da Eufrosina”, disse.

Isso significa que não é necessário supor um impacto tangencial, extremamente raro, para explicar a distribuição atípica dos tamanhos dos objetos de Eufrosina. “Ela pode ter-se formado naturalmente, em função da dinâmica local, adquirindo a configuração observada”, completou Carruba. (Fonte: Agência FAPESP)