Ribeirinhos deixam extração ilegal de madeira e investem em turismo no AM

Isolada geograficamente, a comunidade do Tumbira, no interior do Amazonas, viveu por décadas da retirada ilegal de madeira da floresta amazônica. Situada na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Negro, na Zona Rural de Iranduba – a 74km de Manaus -, área marcada por grandes índices de desmatamento, a comunidade viveu uma reviravolta nos últimos anos com o abandono da cultura extrativista e investimento no turismo ecológico. O objetivo agora é ampliar o modelo de desenvolvimento sustentável aplicado na comunidade para outras unidades de conservação no estado.

Há dez anos, 14 famílias moravam no local, totalizando 38 pessoas. A maioria dos nascidos no Tumbira, como conta o líder comunitário Roberto Brito de Mendonça, de 39 anos, desistiu do local e migrou para os grandes centros urbanos. Com a criação do Núcleo de Conservação e Sustentabilidade (NCS) Agnello Uchôa Bittencourt no local, os comunitários passaram a ter uma central de energia solar, igreja, escola, posto de saúde, laboratório digital, laboratório de pesquisa e inovação, entre outros serviços. Para garantir que o dinheiro fique na comunidade, foi instalado um banco no local e os moradores fazem as compras em uma mercearia também mantida por ribeirinhos. “Antes a gente ia na cidade e fazia logo as compras por lá. Assim o dinheiro roda na comunidade”, explicou Mendonça.

Com a modernização do local, o número de moradores voltou a crescer: atualmente vivem na comunidade 24 famílias, totalizando 118 pessoas. “Para estudar era preciso ir para a cidade. Não tínhamos hospitais e, em questão de emergência, acabava acontecendo o pior. Eu tive um irmão que morreu por acidente e falta de prestação de socorro. Temos posto de saúde, médico atendendo e uma ambulancha. Se precisar, estamos em Manaus em uma hora. Antes demorávamos seis horas para chegar em Manaus”, relatou o líder comunitário em entrevista ao G1.

A comunidade é beneficiada pelo programa Bolsa Floresta, que dá um pagamento no valor de R$ 50 a moradores que se comprometem a não desmatar e realizam atividades econômicas de desenvolvimento sustentável. O programa é mantido pela Fundação Amazonas Sustentável (FAS) em parceria com diversas empresas e, diferente do Bolsa Família, visa este pagamento por serviços ambientais. Caso seja comprovado que um beneficiário está descumprindo com as normas, ele é desligado do programa. Para minimizar o impacto da mudança de cultura, os moradores passaram por cursos de empreendedorismo, atendimento a turistas, entre outros.

Para o líder comunitário, a mudança de cultura ensinou o povo ribeirinho a viver em relação ‘amiga’ com a floresta. “Eu tirava madeira clandestina no meio do mato. Era o que restava para mim. Meu avô era madeireiro, meu pai também, então eu fui mais uma geração que tinha aquilo como cultura. Outras coisas chegaram na comunidade e deram uma mudança em vários aspectos. Hoje acho que a educação é uma base de tudo: antes nós não tínhamos, mas hoje temos aqui dentro da comunidade a educação que muita gente na cidade grande não tem”, contou.

“Hoje eu parei de tirar madeira, graças a Deus, e trabalho como empreendedor. Sou dono da pousada, trabalhamos com hospedagem, alimentação e turismo. Faço parte também do núcleo educacional, apoio na logística dos alunos, manutenção do núcleo, entre outros deveres. Hoje eu posso dizer que amo o que faço e gosto de ver essa mudança. Preservo a natureza, que é minha casa, e tiro meu sustento dela de uma maneira que ainda vou vê-la em pé por muitos anos e continuar vivendo a base dela”, completou.

Além de ser beneficiário do Bolsa Floresta, Roberto vive com uma renda de aproximadamente mil reais da pousada que administra. “Consigo tirar, todo mês, R$ 1 mil, fora os gastos que tenho com a pousada e dinheiro que guardo para investimentos futuros. De extra, temos ainda passeios para os hóspedes por Anavilhanas [arquipélago nacional com praias e trilhas aquáticas de igapó], para nadar com os botos, entre outros. Antes a gente falava em turismo e era muito distante pra gente. Atualmente, com a demanda que temos em cima do turismo diria que é um futuro para toda essa comunidade. Para mim, o turismo trouxe até mais que dinheiro: traz um importante intercâmbio entre as pessoas de fora e as locais”, disse.

Ainda segundo Roberto Brito, com a estruturação da comunidade ribeirinha, os jovens que nasceram no local decidiram também estudar e continuar atuando em prol da região. “O jovem aqui na nossa comunidade tem escola, tem internet, que no meu tempo a gente nem ouvia falar. Hoje o jovem aqui tem tudo para ser alguém na vida dentro da própria comunidade. Eles querem ter um futuro formados naquilo que a comunidade precisa, tendo uma escolaridade boa e mantendo a cultura local”, explicou.

Os dois filhos do líder comunitário estão concluindo o ensino médio na escola local. Um deles, segundo o pai, planeja estudar turismo em Manaus para investir na Reserva Sustentável do Rio Negro e manter os negócios da família. Outro exemplo é a professora Laís Garrido, de 25 anos. Nascida e criada no Tumbira, a jovem deixou a comunidade para estudar e se formou em biologia, em Manaus.

“Estudei até a quarta série aqui na comunidade, porque ainda não tinha o resto aqui. Fui para Manaus onde concluí meus estudos e, ao terminar, decidi voltar. Aqui é meu lugar. Tinha uma vaga para professor aqui, então dou aula para os meninos da comunidade agora. Temos também um laboratório de pesquisa e inovação aqui, onde posso até atuar no futuro, mas agora quero continuar na escola porque lá tenho muito contato com todos os jovens. Não penso em sair daqui nunca”, disse.

Há 39 anos na comunidade ribeirinha, Roberto também não pensa em deixar o local. “Hoje eu não saia daqui nem se me dessem uma pousada lá em Manaus. A minha vida está aqui, eu sei viver aqui. Tive até vontade de sair quando fecharam tudo que tinha aqui, achei que não tinha futuro para a gente, mas aguentei e hoje não me arrependo. Sou Tumbira pra sempre”, declarou.

Segundo o superintendente-geral da Fundação Amazonas Sustentável, Virgílio Viana, o objetivo agora é expandir o número de núcleos como o desenvolvido no Tumbira e trabalhar o empoderamento dos líderes comunitários para que eles possam buscar mais investimentos para o local. “Estas são populações historicamente abandonadas, vivem sem acesso a educação e saúde. A minha visão é que todas as unidades de conservação estaduais, federais, terras indígenas, deveriam ter um núcleo como esse, porque senão você não leva formação de capital humano. O essencial para o desenvolvimento sustentável é gerar capital humano, e acredito que essa é a melhor solução para o desenvolvimento das comunidades”, citou.

Atualmente, oito unidades de conservação no Amazonas têm estruturas de NCSs coordenados pela FAS, e em cada um é desenvolvido um modelo de atividade de desenvolvimento sustentável de acordo com as particularidades da região e população ribeirinha. A Fundação atua em 575 comunidades do estado e 16 unidades de conservação no Amazonas.

Queda no desmatamento em áreas de NCSs, aumento fora – De acordo com dados divulgados pela FAS, nas áreas onde a fundação atua, houve uma significante queda nos índices de desmatamento entre os anos de 2012 e 2013. No primeiro ano, o número registrado foi de 0,008%. Em 2013, o valor caiu para 0,002%. O número de focos de calor por milhão de hectares caiu de 39 para 35 entre os dois anos.

Os números positivos podem ser uma esperança na conservação da Amazônia. Os dados de desmatamento da Amazônia Legal do sistema Deter para os meses de agosto, setembro e outubro, divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), indicam crescimento do desmatamento.

Neste período, foram detectados alertas de desmatamento por corte raso (derrubada total) e por degradação florestal (destruição parcial) que somam 1.924 km², um índice 117% maior que no mesmo trimestre de 2013, quando foram detectados 886 km². O Deter é voltado a orientar a fiscalização em campo para coibir o desmatamento ilegal, não para a medição precisa de área, já que é feito com imagens de satélite de resolução moderada e tem uma margem de falsos positivos. O Inpe estima que dos quase 2 mil km² de alertas, uma área de 856 km² de desmatamento por corte raso, 1.000 km² de áreas sejam de degradação florestal, e 68 km² sejam de falsos positivos. Mato Grosso e Pará lideram estes últimos índices de desmatamento divulgados.

O governo apresentou, em novembro deste ano, o dado anual de desmatamento, do sistema Prodes (Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal), que indicava redução de 18% entre agosto de 2013 e julho de 2014 em relação ao período anterior. As informações do Prodes representam o índice oficial de desmatamento do governo federal. Segundo ele, o bioma perdeu 4.848 km² de vegetação em um ano. (Fonte: G1)