Um jato taxiava em uma pista próxima; o rugido de seus motores se misturava ao zumbir contínuo de milhares de asas. Cobrindo a cabeça com um chapéu de apicultor, Alexandre Beaudoin levantou a armação de uma de suas cinco colmeias, cada uma com 70 mil abelhas. As abelhas não deram atenção à invasão – elas haviam sido sedadas com fumaça anteriormente – e continuaram a trabalhar.
As colmeias foram instaladas há poucos meses e Beaudoin se mostrava satisfeito com os resultados.
“Essa armação está cheia de ovos; isto é muito bacana, informação muito boa, assim sei se a colmeia está saudável”, disse ele.
Para achar as colmeias, você teria de viajar pelas apinhadas estradas auxiliares do Aeroporto Internacional Montreal-Mirabel, cruzar o portão de segurança, o estacionamento e adentrar uma área gramada cercada em que uma placa anuncia: “Atenção, abelhas”. Mais além ficam os 2.400 hectares do aeroporto.
No ano passado, a Aeroports de Montreal, empresa que administra os dois aeroportos da cidade, Mirabel e o Montreal-Trudeau Internacional, entrou em contato com a Miel Montreal, cooperativa de apicultores que Beaudoin ajudou a fundar. Como parte da iniciativa ambiental – a Aeroports de Montreal foi o primeiro aeroporto canadense a vender créditos de carbono -, a corporação queria começar um projeto-piloto colocando colmeias em um campo vazio. As colmeias foram instaladas em junho.
O Mirabel é apenas o mais recente caso do que está se tornando um empreendimento comum: manter colmeias na área verde de um aeroporto. Para os aeroportos, as colmeias podem ser uma forma fácil de ostentar credenciais ecológicas, além de tirar proveito de campos nos quais não é legalmente permitido construir. E as abelhas são atraentes de uma forma que créditos de carbono, reciclagem de papelão e compostagem não são.
O primeiro foi o Aeroporto de Hamburgo, na Alemanha, em 1999. Em seguida vieram Düsseldorf, Frankfurt, Dresden, Hannover, Leipzig/Halle, Nuremberg e Munique. Desde então, os aeroportos de Malmo, na Suécia, Copenhague, o O’Hare, de Chicago, Seattle-Tacoma Internacional e Lambert-St. Louis também receberam colmeias de braços abertos.
A relação é de simbiose: os apicultores urbanos precisam de mais espaço, e os aeroportos têm espaço de sobra. As abelhas se dão bem em ambientes urbanos onde existam pessoas para cuidar de suas colmeias, diversidade de flores e ausência de pesticidas agrícolas.
Quando o Departamento de Aviação de Chicago quis expandir a iniciativa ecológica do O’Hare — o aeroporto já fazia compostagem e mantinha um rebanho de animais resgatados — a comissária Rosemarie Andolino procurou Brenda Palms Barber, fundadora e diretora-presidente da Sweet Beginnings, grupo sem fins lucrativos que fornece treinamento profissional para ex-presidiários. Desejando expandir (o grupo mantém 131 colmeias ao redor de Chicago), Brenda solicitou espaço para 25 no O’Hare.
Agora são 75, fazendo dali o maior projeto de apicultura em um aeroporto no mundo.
O Aeroporto de Copenhague, que planeja se tornar um grande entroncamento escandinavo, acabou criando oportunidades para as abelhas urbanas. A direção do aeroporto comprou um grande terreno para construção, mas um lago em um canto da área abriga uma espécie de sapo protegida, segundo Oliver Maxwell, diretor da Associação de Apicultura Urbana de Copenhague.
“Pessoas ligadas à conservação da natureza falaram que não havia a menor possibilidade de construírem sobre o lago. Assim, eles mantiveram esse pedaço de terra, nos últimos anos se perguntando o que fazer com ela. Agora o mato cresceu e virou uma bela campina com flores silvestres”, contou ele.
Agora existem 15 colmeias no local, instaladas e cuidadas pelo grupo de Maxwell; parte do mel é vendido nas lojas de presente do aeroporto.
Nos aeroportos europeus, a iniciativa se concentra em utilizar produtos de abelha, como pólen e mel, como marcadores biológicos para detectar poluentes. O Aeroporto de Malmo começou a testar o mel e a cera de abelha de suas colmeias em 2009. Os resultados indicam que os níveis de metais pesados, hidrocarbonetos orgânicos voláteis e hidrocarbonetos aromáticos policíclicos encontram-se bem abaixo dos limites da União Europeia, tendo se mantido assim ano após ano. “O ambiente ao redor do aeroporto não é tão ruim quanto as pessoas pensavam”, disse Maria Bengtsson, gerente ambiental da administradora.
Durante quase uma década, cientistas estão alarmados pelas reduções acentuadas nas populações das abelhas melíferas. Perdas anuais em torno de 30%, em média, foram atribuídas ao distúrbio do colapso da colônia e outras pressões, tais como doenças, pesticidas, clima extremo e perda de habitat. A queda pareceu diminuir lentamente no ano passado, embora pesquisadores tenham dito que um ano é cedo para indicar uma tendência.
Embora as colmeias do aeroporto tenham um papel limitado no sustento das populações de abelhas, Elina Lastro Niño, apicultora da Universidade da Califórnia, campus de Davis, afirmou que se não houver pesticidas, os aeroportos podem se revelar ótimos ambientes para as abelhas melíferas, ajudando a educar o público.
“Se há um aeroporto que vende mel produzido lá mesmo, os viajantes ficarão mais conscientes de questões ligadas ao produto”, ela declarou.
Existe pouca preocupação ambiental com abelhas interagindo com aviões. Se uma abelha e um jato se encontrarem, é a abelha que sairá perdendo. Porém, aconteceram incidentes recentes com a formação de enxames, evento natural em que uma segunda abelha deixa a colmeia em busca de um novo lar, sendo acompanhada por quase metade das companheiras.
O enxame no O’Hare, em julho, muito provavelmente envolveu abelhas silvestres, disse Brenda Palms Barber. Os portões do aeroporto ficam a cerca de cinco quilômetros das colmeias da Sweet Beginnings, muito além da área de busca normal de uma abelha. Os insetos do enxame foram removidos pelo apicultor-chefe da Sweet Beginnings, John Hansen, com um aspirador especial. Rosemarie Andolino contou que se formavam enxames ocasionais antes da instalação das colmeias.
Christiane Beaulieu, vice-presidente de relações públicas e comunicação da empresa responsável pelos aeroportos de Montreal, disse que se as abelhas se saírem bem em seu primeiro ano em Mirabel, o projeto seria expandido ao mais movimentado Trudeau Internacional.
Para Beaudoin, no entanto, o mel continua sendo uma mercadoria preciosa. “Durante sua vida inteira, uma abelha produzirá um oitavo de colher de chá. Quando se tem isso em mente, tente colocar duas colheres de sopa na sua torrada matinal.” (Fonte: UOL)