Europa e EUA preparam missões espaciais ‘para o Inferno’

Elas provavelmente são as duas missões espaciais mais audaciosas em desenvolvimento atualmente.

Solar Orbiter e Solar Probe Plus serão enviadas para entrar na órbita de Mercúrio com o objetivo de estudar o Sol.

De lá, a temperatura na superfície frontal desses satélites vai ultrapassar as centenas de graus. Seria possível dizer que essas missões são, literalmente, “missões para o Inferno”.

Projetar um sistema seguro para proteger as naves para resistirem a temperaturas tão altas é algo que tem dado trabalho aos engenheiros.

Eles precisam de algo que funcione como um “escudo de calor”. Para o Solar Orbiter, da Agência Espacial Europeia, a solução é usar titânio. Para o Solar Probe Plus, da Nasa, o material deverá ser composto por carbono.

Os instrumentos dos dois satélites terão de se esconder por trás dessas barreiras para fazer as medições que os cientistas esperam na tentativa de desvendar alguns dos maiores e mais duradouros mistérios do Sol.

As duas missões parecem estar progredindo.

A Nasa já escolheu o foguete para lançar o Solar Probe Plus. Um poderoso Delta-IV Heavy – o maior foguete do mundo – vai lançar esse satélite de 610 quilos em direção ao Sol no fim de 2018.

E a indústria europeia – pela Airbus Defence and Space – anunciou que conseguiu produzir o que chamou de “modelo estrutural e térmico” do Solar Orbiter.

Seria como uma cópia do satélite, com instrumentos representativos. Ela será aquecida, submetida a explosões de sons e receberá impactos em uma simulação para testar seu design.

Se a cópia do satélite sobreviver a tudo isso, os engenheiros saberão que tipo de modelo também resistiria às condições extremas que irão encontrar no ambiente espacial.

Esta não é a primeira missão solar – já houve algumas nos últimos anos. A nave espacial americana DSCOVR foi a última, lançada em fevereiro.

Mas a maioria desses satélites não se aventurou muito longe, preferindo estudar o “inferno” do Sol de uma distância segura, como a da órbita da Terra.

Objetivos – Os satélites Solar Orbiter e Solar Proble Plus, porém, querem “entrar no fogo” para valer – para observar a atividade solar de perto e provar diretamente os efeitos das partículas e dos campos magnéticos que as contêm.

“Nós queremos obter três medidas”, afirmou Tim Horbury, o principal investigador do Solar Orbiter. “Com o Solar Orbiter, queremos obter uma medida remota, queremos ver o que está acontecendo no Sol com nossos telescópios, e depois queremos obter uma segunda medida, para sentir o que está saindo dele.”

“A terceira medida viria do próprio Solar Probe, que avançaria um pouco o campo de visão muito rápido de vez em quando só para dar uma ideia do que estaria acontecendo lá também”, disse.

O Solar Probe chegará até a 43 milhões de quilômetros do Sol – significativamente mais perto de Mercúrio, que gira em torno do Sol a uma distância que varia de 46 milhões a 70 milhões de quilômetros.

Já o Solar Probe Plus é quem vai fazer o verdadeiro trabalho “infernal” quando correr pela superfície solar a meros 6 milhões de quilômetros de distância. E “correr” é a palavra certa porque a expectativa é que ele alcance velocidades de 200 quilômetros por segundo em partes da órbita.

E aproximações distintas como essas também precisam de estratégias distintas.

Ficando mais distante, o Solar Orbiter consegue liberar telescópios. E as imagens captadas por eles provavelmente serão espetaculares, revelando características do sol com uma resolução nunca conseguida antes.

Chegando bem próximo do Sol, o Solar Probe Plus poderá conseguir dados notáveis, mas olhar diretamente para o Sol é algo que está realmente fora de questão.

A pouco mais de 6 milhões de quilômetros, a temperatura da superfície deve atingir 1,3 mil graus. O Solar Probe Plus não pode sequer se dar ao luxo de ter pequenos buracos em seu escudo revestido com cerâmica e carbono.

Já o Solar Orbiter, de 1,8 mil quilos, pode. “Temos alguns orifícios de passagem”, diz Dan Wild, um dos engenheiros térmicos da Airbus. “Esses são apenas grandes cilindros feitos de titânio e revestidos de preto para o controle da luz, para que a gente não pegue muito reflexo.”

“E na frente dos cilindros têm portas. Nós podemos fechar essas portas e isso significa que não vamos perder a nave espacial se alguma coisa der errado”, afirmou.

O que pode dar errado? Uma coisa – é preciso apontar diretamente para o Sol o tempo todo para que o escudo térmico não pare de jogar uma sombra resfriadora no resto da nave.

“Se você perde a atitude – em outras palavras, se em algum momento, quando você está muito perto do Sol, você não está apontando diretamente para ele – então a nave pode ficar iluminada por trás do escudo térmico, com as consequências óbvias.”

“Então temos que ter um sistema de direcionamento para o Sol bastante robusto”, explica Philippe Kletzkine, gerente de projetos do Solar Orbiter.

“A parte frontal do escudo do Solar Orbiter vai experimentar temperaturas na ordem dos 600 graus, mas atrás elas devem atingir apenas 60 graus.”

Curiosamente, o instrumento de trás do Solar Orbiter, que carrega alguns experimentos magnéticos e de plasma, irá ficar tão na sombra, que ficará frio o suficiente – numa temperatura inferior a 10 graus – para requisitar um aquecimento ativo.

Possíveis conclusões – Então o que obtemos com essa engenharia dos extremos? Esperamos que a chance de solucionar alguns enigmas solares. Ao ficar posicionado diretamente na atmosfera externa do Sol – a coroa solar -, o Solar Probe Plus pode ajudar a explicar porque essa extensa região é tão mais quente do que a superfície do Sol. Isso é realmente um quebra-cabeças.

Já o Solar Orbiter deve nos dar melhores ideias sobre o que impulsiona seu ciclo de atividade de 11 anos. Sua órbita será alta o suficiente para ter uma visão polar do Sol. Pela primeira vez, poderemos ver corretamente o que acontece quando o campo magnético solar gira.

“Nós sabemos quando ele gira, mas não sabemos os detalhes porque nunca conseguimos chegar perto dos polos”, diz Louise Harra, do Laboratório de Ciência Espacial da University College London.

“Chegando na altura dos polos, teremos uma vista excelente e isso nos dará uma ideia muito melhor sobre o mecanismo que rege o ciclo solar e sobre por que esse ciclo começou a ficar mais fraco nos últimos anos.”

As duas missões juntas estão custando US$ 2,5 bilhões (mais de R$ 8 bilhões). A missão americana custa quase o dobro da europeia. Mas há um reconhecimento crescente de que conseguir compreender melhor o comportamento do Sol trará grandes benefícios para a Terra. Grandes tempestades solares têm o potencial de destruir satélites, comunicação de rádio e redes de eletricidade.

Há muitos cientistas trabalhando nas duas missões. E as duas serão enviadas ao espaço daqui três anos, em 2018. (Fonte: G1)