Dendê é fonte de renda para pequenos produtores da Amazônia

Num plantio comercial, os dendezeiros começam a soltar os primeiros cachos aos três anos de idade. É o início da vida produtiva da palmeira, que dura de 25 a 30 anos. A planta dá frutos o ano inteiro.

Durante a fase produtiva, os dendezeiros formam, em média, 16 cachos por ano. Mas eles não amadurecem todos ao mesmo tempo. Os frutos só podem ser colhidos quando ficam com a cor entre vermelho e alaranjado, e quando se desprendem naturalmente e caem no chão. O agrônomo Joel Buecke, diretor agrícola da fazenda, mostra a maior qualidade desse produto. “Se a gente espremer esse fruto a gente vê claramente a formação do óleo.”

Nas palmeiras mais baixas, a colheita é normalmente feita por mulheres. Elas percorrem o dendezal em busca dos cachos maduros, já soltando frutos. Com o produto localizado, é fazer a limpeza de algumas folhas e depois cortar o cacho.

Os funcionários da empresa são todos registrados em carteira. Quem trabalha na colheita ganha um salário mínimo e mais um valor pelo volume colhido. “Tem mulheres que tiram produção muito boa. Passam de R$ 2 mil. Eu tiro R$ 1.300, R$ 1.200”, conta Erica da Silva, que trabalha na colheita há três anos.

Nas palmeiras mais altas, os homens entram em ação, com ferramentas maiores e mais pesadas. Um trabalho que exige treinamento e muita atenção. “Uma palha dessa pode atingir a gente ou o próprio cacho. Você tem que analisar, ver se não tem animal peçonhento no pé da palmeira”, fala o trabalhador rural Wanderson Soares.

Terminada a colheita, começa o transporte. Primeiro, o braço mecânico vai recolhendo os cachos. Depois, a produção é despejada em caçambas enormes. Em um ano, os dendezais da fazenda produzem ao todo 700 mil toneladas de cachos.

Na indústria os cachos de dendê vão passar por um processo cozimento. As caçambas vão deslizando nos trilhos até chegar à autoclave. Funciona como uma espécie de panela de pressão. O vapor entra, a temperatura vai a 140 graus pra cozinhar os cachos.

Saindo do cozimento, os cachos entram em uma série de equipamentos fechados. Nele, a polpa da fruta vai pra um lado e a semente pro outro. Ambos serão prensados separadamente. As fibras ou cascas que sobram são aproveitados pra gerar energia na indústria ou pra adubação orgânica da lavoura.

A engenheira de alimentos Alessandra Bortolanza explica que o azeite de dendê, usado na cozinha, é feito apenas com a polpa. O esmagamento da semente rende um óleo mais claro, chamado de palmiste.

Tanto o óleo da polpa quanto o da semente ainda podem ser manipulados e refinados, para se transformarem em gorduras e outros derivados, sem cheiro e com sabor diferente. São os tais ingredientes vendidos pela fazenda pra indústrias de alimentos e cosméticos, do Brasil e de vários outros países. “Em torno de 80% vai para a indústria alimentícia. O restante divide entre os outros setores”, explica Alessandra.

O óleo de dendê – em todas as suas formas – é hoje o óleo vegetal mais produzido e mais consumido no mundo, seguido pelo óleo de soja e pelo de canola. E quais são os motivos dessa liderança?

Especialista em agronegócio da Fundação Getúlio Vargas, o economista Ralf Levermann explica que a força do dendê, a palma, no mercado mundial se baseia em dois pontos. “O óleo de palma é extremamente versátil no uso industrial. A produção no campo é altamente rentável comparada com todos os óleos vegetais que existem no mundo, por exemplo, com a soja.”

Enquanto a soja produz, na média mundial, 0,4 toneladas de óleo por hectare por ano. O dendezeiro gera anualmente 4,2 toneladas de óleo, em um hectare. Cerca de 10 vezes mais.

Mas a história do dendê também é marcada por uma grande mancha ambiental. Nas últimas décadas, o cultivo viveu uma expansão acelerada, principalmente em dois países da Ásia: Indonésia e Malásia, que dominam 80% do mercado global. O avanço foi descontrolado e provocou o desmatamento de milhares de quilômetros de florestas. A destruição colocou espécies em risco e gerou a reação de entidades ambientais e consumidores pelo mundo afora.

O agrônomo Alfredo Homma, da Embrapa Amazônia Oriental, estuda o assunto e avalia que a situação do dendê no Brasil é bem diferente. Ele lembra que aqui, por lei, todo produtor precisa conservar áreas da fazenda como floresta, coisa que não ocorre na maior parte do mundo. Na Amazônia, a reserva obrigatória varia de 50% a 80% da propriedade. Outra diferença importante, segundo Homma, é que a expansão do dendê nos últimos anos ocorreu no Brasil com base em um zoneamento agroecólogico federal, que direciona novos plantios pra áreas já desmatadas.

“Nós temos na Amazônia cerca de 76 milhões de hectares que já foram desmatados. Eu não vejo essa ameaça em cima de áreas de floresta densa. É muito mais pastagens degradas e área de vegetação secundária”, fala Homma.

Diante dos problemas na Ásia, e em outros lugares do planeta, a cadeia produtiva do dendê resolveu criar uma certificação internacional – a RSPO. O selo verde tem o respaldo de entidades ecológicas de peso como a WWF e a Conservation Internacional.

Aqui no Brasil, a Agropalma é a única fazenda que já conseguiu o certificado, em 2011. “O objetivo da certificação é garantir que o óleo de palma vem de uma origem sustentável, vem de um processo de produção que não está vinculado a desmatamento, a perda de biodiversidade, critérios sociais, tratamento adequado dos trabalhadores, redução da utilização de agrotóxicos e por aí vai. É um conjunto de 120 indicadores ao todo”, explica o agrônomo Túlio Dias Brito, da Agropalma.

Além de englobar todas as atividades da propriedade, os critérios da certificação também se aplicam aos fornecedores da fazenda. Afinal, a empresa compra a produção de 237 agricultores. A maior parte é de pequenos sitiantes, que trabalham num esquema de integração.

As famílias entram com a terra e mão de obra e a fazenda fornece mudas, insumos e assistência técnica. Iracema Pinto e Antônio dos Santos plantaram dez hectares de dendê, na comunidade de Arauaí, em Moju. A nova atividade contou com financiamento do Pronaf e apoio do governo do Estado. “Antes de começar a trabalhar com dendê, eu era empregado. Eu trabalhava numa serraria, era serrador. Eu me sinto feliz trabalhando com dendê”, diz Antônio dos Santos. Pra aprender a lidar com o cultivo, desde o início do projeto a família recebeu orientação de agrônomos e técnicos agrícolas.

Os novos produtores de dendê foram estimulados a manter culturas tradicionais do sítio, pro gasto ou pra venda. Antônio e Iracema continuam com uma rocinha variada do lado da casa e seguem firme na produção de farinha de mandioca.

Na colheita do dendê, muita gente precisa contratar mão de obra. O problema é que até a alguns anos tudo era feito de maneira informal – o que é contra as leis trabalhistas e contra as regras da certificação do dendê.

Pra mudar essa realidade, os sitiantes foram orientados a criar um consórcio. Nele, os colhedores são contratados com carteira assinada por um grupo de agricultores e trabalham a cada dia num sítio diferente. Entretanto, alguns agricultores se queixam que a colheita ficou mais lenta com consórcio, porque os trabalhadores contratados faltam mais no serviço.

Pra ajudar nessa nova fase de adaptações, a comunidade também contou com orientação de uma entidade não governamental. A fundação Solidaridad promove desenvolvimento sustentável e apóia a certificação do dendê em vários países. “O produtor precisa se profissionalizar para conseguir a certificação. Desde ele saber o quanto ele ganha e o quanto ele paga, o custo, toda a parte do manejo produtivo, se ele ta cumprindo a legislação ambiental, social, trabalhista. É uma visão integrada do lote, da propriedade”, explica a engenheira florestal Joyce Brandão.

A fazenda garante a compra de toda a produção dos integrados. O preço da tonelada do cacho varia segundo o mercado, mas como o dendê é certificado, os agricultores recebem aumento no preço, que vai de 5% a 7%.

Nas contas da Embrapa, que fez um estudo na comunidade, cada lote de dez hectares de dendê deixa na média um lucro líquido, livre, de R$ 2.600 reais por mês. Isso, fora outras atividades dos sítios.

Benedita do nascimento já passou muita dificuldade na região. Mas hoje, com vinte hectares de dendê, vem conseguindo um lucro mensal de cerca de R$ 5.000. “Sempre fui agricultora, nascida e criada nessa região. O dendê é a melhor atividade que encontrei na vida.”

Com mais dinheiro no sítio, Benedita e o marido, José augusto, resolveram investir na produção e na qualidade de vida. Nos últimos anos, eles compraram algumas cabeças de gado, uma caminhonete usada, um trator, que foi financiado, uma televisão, vários eletrodomésticos e já começaram a construção de uma casa nova pra família.

Histórias desse tipo se repetem em vários outros sítios da comunidade. Segundo a Embrapa, 84% dos produtores dessa integração se dizem satisfeitos ou muito satisfeitos com o dendê. Uma prova de que é possível cultivar essa palmeira na Amazônia de maneira sustentável, garantindo fonte de renda pros agricultores e respeito à natureza da região.

Mesmo com o aumento nos últimos anos, a produção brasileira de óleo de dendê ainda é pequena e o país importa quase a metade do que consome. Ou seja, ainda tem muito espaço pro dendê crescer por aqui. (Fonte: Globo Rural)