No Paraná, um sistema transforma em riqueza os resíduos poluentes da fabricação do polvilho da mandioca. Essa tecnologia vem ajudando agroindústrias a evitar danos ao meio ambiente e, mais ainda, fazendo economia e gerando renda.
O cultivo de mandioca vem ganhando espaço no Paraná. Já são mais de 170 mil hectares, especialmente na região entre o norte e o oeste do estado. Uma safra anual estimada em cerca de 4 milhões de toneladas, o que representa 17 % da produção brasileira.
A família de José Anísio Pasquini planta mandioca há duas décadas. “Na época surgiu a oportunidade de trabalhar com mandioca, porque soja na nossa região não ia, pasto também já estava difícil e aí começamos com mandioca, achando um bom negócio. A gente está aí já há 22 anos na mandioca”.
A família Pasquini planta 1.400 hectares de mandioca na região de Nova Esperança e colhem cerca de 70 toneladas ao dia.
Nessa região do Paraná, a mandioca tem tratamento de cultura nobre e se usa muita tecnologia. O plantio já é praticamente todo mecanizado.
A plantadeira leva 4 trabalhadores, que só têm que abastecer o implemento com as manivas, o caule da mandioca que é usado para a reprodução da planta. A máquina corta a maniva no tamanho certo, coloca no chão e já cobre com terra.
Também há muito cuidado na escolha das variedades. É que quase toda a produção paranaense é destinada à indústria, que precisa de matéria prima o ano todo. Como, naturalmente, a mandioca produz melhor entre os meses de maio e agosto. Para ter colheita o ano inteiro, a solução é plantar variedades com ciclos diferentes, como explica o agrônomo Aílton Vantini. “A gente usa variedades para poder fazer um escalonamento de produção. Tem mandioca que você arranca com um ano, ano e meio e dois anos. Com isso você vai ter mandioca ao longo do ano inteiro”.
O Paraná responde por quase 70% da fécula ou amido de mandioca produzido no brasil. Também chamado de polvilho, o pozinho branco, bem fininho, tem diversos usos. “A fécula tem um bom mercado tanto na indústria alimentícia como indústria papeleira, indústria química, entre outras”, explica Andrew Pasquini, gerente da indústria.
A indústria, no município de Nova Esperança, também pertence à família Pasquini. Ela processa 400 toneladas de mandioca por dia. Para a extração da fécula, a raiz é moída e a massa tem que ser lavada para soltar o amido.
O caldo que sai da lavagem vai para um equipamento que desidrata e seca a mistura até virar pó. Para aquecer a água e os secadores, a indústria precisa de calor, que nos sistemas tradicionais é gerado com a queima de madeira.
Em todo processo, desde a lavagem até a extração do amido, se usa água, muita água. Em torno de 1 milhão de litros por dia.
Cada 100 quilos de mandioca rendem, em média, 25 quilos de fécula. O que sobra é resíduo. Essa massa pode ser usada na alimentação animal, mas a água proveniente do processo, que é chamada de manipueira, é poluente. “Essa água que vem da indústria, no processo de moagem da mandioca, tem tudo o que tem dentro da raiz da mandioca. Amido solúvel, que não foi transformado em amido sólido na fécula que eles extraem, tem matéria orgânica que vem da casquinha da mandioca, tem açúcares que não foram convertidos em amido e também o cianeto. O cianeto é altamente tóxico e não pode ser liberado no meio ambiente diretamente”, explica Eduardo Ferreira, agrônomo.
Eduardo Ferreira presta serviços de licenciamento ambiental na região. Ele trabalha com diversas fecularias e explica que o cianeto é um veneno presente na mandioca industrial ou mandioca brava, como é conhecida. Ele pode causar sérios danos à saúde das pessoas e do meio ambiente. Por isso, a manipueira e não pode ser descartada diretamente na natureza. “Se você lançar direto nos corpos de água, nos rios, você vai utilizar o oxigênio para decomposição da matéria orgânica e vai prejudicar a fauna aquática”.
Para tratar a manipueira, o sistema mais comum são lagoas, construídas em sequência. Dentro delas, a parte sólida da mistura decanta e vai para o fundo. Com ação do sol e de bactérias presentes no ambiente, os compostos orgânicos e tóxicos vão se degradando. A água mais limpa vai passando para as outras lagoas, até alcançar o nível de pureza exigido pela legislação ambiental. Esse processo libera mal cheiro e gás metano, que vai direto para a atmosfera. “Ele é 21 vezes mais poluente comparado ao gás carbônico”, diz Eduardo.
Para se ter ideia, uma lagoa com 5 mil metros quadrados pode produzir por ano poluição equivalente à queima de 5 milhões de litros de gasolina.
A manipueira é poluente, mas também tem uma grande capacidade de gerar energia. Foi daí que surgiu a ideia de transformar a lagoa de tratamento em um gigantesco biodigestor.
Foi o Eduardo que levou esse modelo de biodigestor para a fábrica. “A quantidade gerada é grande, a carga orgânica que ela tem, o que vai virar biogás, é grande também e a solubilidade, a taxa de decomposição, de degradação dela é muito alta. Então, você consegue com biodigestores, teoricamente pequenos, extrair 95% do potencial do biogás dessa água”, explica.
A construção do biodigestor é relativamente simples e barata. Ele é instalado sobre a primeira lagoa, que recebe a manipueira bruta, do jeito que sai da fábrica. Ela tem que ser cobertura com um plástico especial para isso, bem resistente. “Esse aqui é o polietileno de alta densidade. A garantia de fábrica é de cinco anos, mas ele pode durar até mais tempo. A gente tem locais que já tem seis, sete anos que está trabalhando tranquilo”.
Cobrindo e vendando bem a lagoa, todo o gás metano produzido pelo processo de fermentação e degradação da matéria orgânica, fica retido. Depois o gás é enviado para a indústria por uma tubulação subterrânea. Leva em torno de 10 dias para manipueira ser transformada em gás. “A gente está produzindo 250kg de GNV por hora”.
A produção equivale a 19 botijões de gás de cozinha por hora. O suficiente para alimentar os equipamentos da indústria que aquecem a água e desidratam o amido. Com isso, a empresa praticamente eliminou a queima de lenha. “A gente gastou aproximadamente R$ 400 mil para montar toda a estrutura e a gente está tendo uma economia de aproximadamente R$ 40 mil por mês na queima da lenha na caldeira. Em 10 meses nós pagamos o investimento e depois a gente foi tendo só o benefício”, garante Andrew.
A instalação do biodigestor não elimina a necessidade do complexo de lagoas de tratamento. Só que agora, a água que é devolvida para o rio sai muito mais limpa e em menos tempo. “Mensalmente é feita análise no laboratório, para analisar todos os parâmetros que o órgão ambiental exige para poder lançar essa água no rio. Ela entra com potencial poluidor alto, digamos 100%. Desses 100%, 1% ou 2% é o que sobra aqui no final. Esses 2% que sobram não vai mais agredir o meio ambiente”, explica Eduardo.
Outra empresa, que tem três fecularias na região, está fazendo mais. Paulo Lopes, dono da empresa, conta que já implantou o biodigestor em todas as fábricas. “A gente gastou aproximadamente, em torno de R$ 1,2 milhão. É bastante, mas valeu a pena, porque ele trouxe uma economia bastante numerosa, mais de R$ 100 mil mensal”.
Além da geração de energia, o pessoal está aproveitando tudo o que sobra da produção da fécula.
Depois da extração do gás, nesse processo ainda sobra água e uma água muito rica em nutrientes. Por isso, ela é ideal para ser usada em sistemas de fertirrigação. “A gente tem todos os nutrientes, os macro e micros. Mas os caros, mais pesados da adubação, são nitrogênio, fósforo e potássio, que a gente tem em grande quantidade. Essa água seria interessante na própria mandioca, em pastagem, café, coqueiro. Tudo que precisa de potássio ela faz. Potássio é um dos elementos mais caros e a gente tem sobrando”.
Em um sistema integrado com a criação de gado de corte, a massa da mandioca, que fica livre do cianeto, depois do processamento, vai para o cocho alimentar os animais. O biofertilizante é usado na adubação das pastagens. “A expectativa é jogar em torno de 350 kg de nitrogênio, 50 kg de fósforo e 400 kg de potássio. É uma excelente adubação. E a gente consegue irrigar uma área de 250 hectares com essa água”, explica Eduardo Ferreira.
Na fertirrigação, além de nutriente as plantas recebem água e o pasto fica verde e produtivo o ano todo. Inclusive no período do inverno. Neno Lopes, filho de Paulo, conta que agora também pode plantar capins mais exigentes em adubação, como a grama estrela e o thifiton. Assim, vem conseguindo aumentar a lotação dos piquetes. “A gente mantinha aqui, sem a fertirrigação, uma média de duas cabeças por hectares. Hoje com fertirrigação e mais a massa, consigo ter 10 cabeças por hectare”.
Menos poluição, menos desmatamento, integração e economia. Com tantas vantagens, hoje já existem mais de 40 biodigestores instalados em fecularias do paraná. Empresas que estão aprendendo que produzir com sustentabilidade é bom para todo mundo.
Essa tecnologia também pode ser usada por outras indústrias que produzem resíduos semelhantes aos da mandioca. Além dos quarenta biodigestores instalados no Paraná, já existem mais 20 espalhados em fecularias pelo Brasil. (Fonte: G1)