Na Região Amazônica, os rios são as veias da vida – eles servem de vias para as comunidades da floresta, de lar para peixes e outros animais aquáticos. São, também, local de recreação para adultos e crianças, que ali se banham e brincam.
Mas em outubro de 2015, o nível das águas do rio Negro, próximo a Manaus, desceu tanto que os barcos ficaram encalhados. Chuvas menos intensas e o forte calor contribuíram para a redução do volume das águas fluviais.
Segundo o climatologista José Marengo, membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas das Nações Unidas (IPCC), o baixo nível dos rios na Amazônia resulta num caos total.
“Ao longo dos últimos dez anos, tivemos na Amazônia duas secas e duas inundações centenárias”, relembra Marengo. “Esses fenômenos, que supostamente ocorrem uma vez a cada cem anos, estão acontecendo agora com mais frequência.”
Mataripe Trumai, residente da região do Médio Xingu, diz que “as mudanças climáticas alteram tudo.” Ele afirma que os peixes estão desaparecendo, os rios estão sendo assoreados, e mesmo a fruta amarela que serve de alimentação para os peixes não está mais disponível como antes.
“Os mais velhos dizem que mesmo a chuva não está vindo na hora certa. Que os trovões estão ficando mais fortes. E os relâmpagos também”, conta Mataripe.
E o que vai acontecer a esse cenário já em transformação, se a temperatura global aumentar 3°C no final deste século em relação a níveis pré-industriais?
Nível mais alto apesar da estiagem – Para Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo, antes de falar do futuro, é preciso falar do presente. Existem dois aspectos referentes à climatologia amazônica que estão chamando a atenção dos pesquisadores.
Por um lado, explica Artaxo, há uma intensificação do ciclo hidrológico na Amazônia. A vazão do rio Amazonas em Óbidos, cidade próxima a Santarém, no estado do Pará, tem aumentado lentamente nos últimos 20 anos, e ali a elevação do nível das águas chega a 15%.
“A questão é de atribuição. Isto está sendo causado pela mudança climática global ou não?”, indaga Artaxo. “Ninguém sabe a resposta.”
A segunda mudança é a seca prolongada na parte oeste. “O período de estiagem já aumentou em duas semanas”, pondera Artaxo. “Antes, ele durava de três meses e meio a quatro meses – agora, a estação seca é cada vez mais longa.”
O especialista chama a atenção que a estiagem mais prolongada pode ser uma flutuação natural – ou pode ser um reflexo da mudança climática global. Segundo ele, a queda acentuada do desmatamento, de 27 mil (2005) para 5 mil quilômetros quadrados ( 2014), é muito importante.
“Vítima e algoz” – Enquanto os dados para a Região Amazônica ainda estão faltando, cientistas brasileiros estão conduzindo agora estudos mais precisos. O Brasil acaba de dar início a um projeto com o governo britânico para pesquisar os impactos da elevação da temperatura na Amazônia. Um deles pode ser os incêndios.
“O que pensamos é que, com o aquecimento [global] de 3°C a 4°C, a floresta pode entrar em colapso”, afirma Artaxo. Ele destaca que, se isso acontecer, centenas de bilhões de toneladas de CO2 concentradas nas árvores poderão ser expelidas para a atmosfera. É por isso que se diz que a Amazônia é tanto vítima quanto algoz.
Sonia Guajajara, coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), aponta que os impactos das mudanças climáticas são sentidos, especialmente, em terras indígenas.
Por exemplo, durante seis semanas até o fim de outubro deste ano, a Terra Indígena Arariboia foi consumida por um incêndio ininterrupto no estado do Maranhão. “O fogo se espalhou e queimou 53% de 413 mil hectares”, conta Guajajara.
Diário climático indígena – Na COP21, Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas que está sendo realizada em Paris, povos indígenas que vivem nas margens do rio Negro apresentaram um projeto de pesquisa simples e inovador, que permite o monitoramento do nível dos rios, da precipitação e de outras mudanças na região.
Durante oito anos, muitos povos indígenas da região fizeram anotações diárias de quando havia dias ensolarados ou chuvosos; ou se havia frutas e flores. Os indicadores observados incluíam o nível das águas fluviais, as constelações, as chuvas na região, e as estações – de acordo com sua própria cultura. Isso resultou num diário do clima que pouco tem a ver com o calendário gregoriano.
O Instituto Socioambiental (ISA), em parceria com o banco de dados InfoAmazonia, lançou na conferência em Paris um calendário indígena dos ciclos do rio Tiquié.
O calendário foi inspirado pela percepção dos povos indígenas de que as coisas não estavam mais acontecendo de acordo com a sabedoria dos pajés. Plantas e frutas não estavam mais crescendo no tempo esperado, e os peixes também estavam desaparecendo.
André Baniwa foi do noroeste amazônico para a conferência em Paris. Ele disse a seu povo que um período de silêncio está se aproximando do mundo. “Os pajés do povo baniwa dizem que o mundo vai se acabar em breve e que não vai haver mais nenhum sinal de vida”, afirmou. “Será um período de silêncio.” (Fonte: Terra)