A pescaria do peixe mapará é um evento grandioso que atrai milhares de pessoas para a região das ilhas do baixo Tocantins, no Pará. As famílias de ribeirinhos trabalham nos preparativos para esperado dia de abertura da pesca.
Na Ilha de Saracá, rio Tocantins, Pará, todos os anos, no último dia de fevereiro, alguns moradores se reúnem para planejar a abertura da pesca, que ocorre no dia seguinte.
Terminada a reunião de trabalho, as mulheres entram em cena cantando o o siriá, um tipo de música tradicional dessa região do Pará. No centro da roda ficam objetos ligados aos principais produtos das ilhas: uma peneira, usada para coar açaí; a armadilha, para pegar camarão; e uma rede de pesca.
Enquanto a cantoria continua no barracão, outro grupo já começa a embarcar o material que será usado pra captura do mapará.
O pescador Raimundo Ferreira explica que a rede precisa ser forte porque um certo visitante pode aparecer no meio dos peixes. “A rede sendo fina, se o boto pegar, ele rasga”, diz.
Em seguida, já na igrejinha, ocorre uma cerimônia católica. O objetivo é pedir proteção, fartura na pesca e respeito a natureza. A líder da comunidade Maria de Jesus comanda o encontro. A música que encerra o encontro foi criada pelos próprios ribeirinhos.
No primeiro de março, dia da abertura da pesca, o sol vai raiando preguiçoso e o pessoal de Saracá já está na ativa. O trabalho de pesca começa com um serviço complicado: procurar os cardumes de mapará na imensidão do rio. Para isso, os pescadores contam com uma equipe especializada, comandada pelo taleiro, personagem fundamental dessa atividade.
Experiente, o pescador José Barra, o seu Zequinha, vai na frente da canoa mergulhando a vara comprida, chamada de tala. O trabalho precisa ser feito com muito cuidado. Enquanto os taleiros tentam localizar os cardumes de mapará, os outros pescadores do grupo ficam no aguardo, prontos para entrar em ação. A espera pode levar horas.
De repente, a calmaria se transforma em agitação. Esse momento é decisivo. Os taleiros já deram o sinal, os cardumes já foram localizados e o grupo segue em fila para fazer o bloqueio do mapará.
O bloqueio, ou borqueio, como dizem na região, nada mais é do que cercar o cardume no rio. A rede é lançada por dois barcos que vão fazendo um grande círculo. Quando os dois grupos se encontram, os ribeirinhos amarram as pontas da rede e o cercado está pronto. Com o mapará preso, os pescadores vão fechando o círculo e, aos poucos, deixando o peixe com menos espaço.
O serviço precisa do apoio de um time de mergulhadores. Além das boias em cima, a rede tem chumbo na parte de baixo. O bloqueio é normalmente feito em áreas onde a profundidade do rio não passa de dez metros. Conforme o trabalho avança, vários barcos turistas e moradores da região se aproximam do bloqueio.
Aos poucos, o bloqueio vai mudando de forma e o volume de curiosos aumenta. É tanto barco e tanta gente tirando foto que a polícia precisa ser acionada para evitar acidentes.
Uma hora e meia depois do início do bloqueio, finalmente o trabalho vai chegando ao fim com a rede mais apertada e os barcos em volta. Em instantes, é possível ver os peixes. Para retirar o cardume do rio, alguns dos pescadores entram no cercado e enchem os cestos.
O trabalho é pesado e leva tempo. A produção do dia, com mais de uma tonelada de peixe, é despejada em um barco da comunidade. Com tanto mapará, muitos visitantes ficam ouriçados e fazem de tudo para conseguir um pouco. A doação, em pequena quantidade, faz parte da tradição. Mas a polícia continua presente para evitar exageros.
A agitação da abertura da pesca se repete, ao mesmo tempo, em vários pontos do rio Tocantins. Terminado o bloqueio, os barquinhos retornam para a ilha de Saracá. O mapará é dividido entre os pescadores e os membros da associação de pesca. Cada família da ilha também recebe um pouco de peixe para consumo próprio.
O pessoal de Saracá faz o bloqueio do mapará umas duas ou três vezes por mês. O trabalho é realizado sempre fora do período do defeso e com redes autorizadas por lei, evitando, por exemplo, o uso de malha fina para não pegar peixe pequeno. O mapará costuma ser vendido numa faixa de R$ 7 a R$ 10 o quilo. Os compradores são atravessadores, que normalmente, revendem o peixe mesmo na região.
Com o peixe na brasa e uma boa conversa, as famílias de Saracá comemoram o início de mais uma temporada de pesca do mapará, uma fonte de renda e alimento para milhares de pessoas nas ilhas do baixo Tocantins. (Fonte: G1)