Castanha do baru, pequi, cagaita, mangaba, guariroba, açaí. Esses produtos nativos do Brasil o público já conhece. Mas alguns chefs resolveram ir além e estão, cada vez mais, incorporando novos produtos da biodiversidade brasileira em suas receitas, sem deixar de lado aqueles que caíram no gosto do cliente. A ideia é valorizar o produtor, o próprio alimento e conservar o meio ambiente.
Outros nomes, antes desconhecidos, aparecem hoje em dia com mais frequência nos cardápios. Pimenta-de-macaco, castanha do pequi, cajuzinho do cerrado, jatobá, licuri, baunilha do cerrado, cumaru, e por aí vai.
O chef Agenor Maia, 36 anos, sócio do Olivae, em Brasília, passou tempos indo atrás de alguma comunidade que trabalhasse com a castanha do pequi. Porque o pequi mesmo já é bem difundido na gastronomia de Goiás e do Distrito Federal, mas ele queria aproveitar tudo do fruto, inclusive a castanha que aparece após os espinhos. Foi em Januária (MG), que ele encontrou Dona Vicentina Silva, da Associação dos Produtores de Pequi de Januária, que já trabalhava com o movimento SlowFood.
Busca por novos sabores – Bastante saborosa e nutritiva, a castanha do pequi, que fica dentro do caroço do fruto, pode ser consumida in natura ou utilizada como ingrediente na preparação de pratos salgados, doces e pães. É rica em zinco e iodo, além de conter cálcio, ferro e manganês. Extrair a castanha sem deixar resíduos dos espinhos que ficam entre a polpa e a castanha não é tarefa fácil, por isso, a deliciosa castanha ainda é difícil de encontrar no mercado. A busca do chef foi demorada e tem o seu valor. Após descobrir um bom fornecedor, ele divulgou a castanha para outros chefs, como Renata (do Loca como tu Madre e Ancho Bistrô de Fogo, em Brasília), Helena Rizzo (do Maní, em São Paulo) e Alex Atala (do aclamado restaurante D.O.M., em São Paulo), entre outros.
Agenor busca uma cozinha autoral e já trabalhou no próprio D.O.M. no início da carreira. “Busco ingredientes diferentes para o restaurante. Tento criar receitas com ingredientes inovadores, valorizando quem produz e o meio ambiente. Me interesso pela história do alimento e do produtor, assim, descobrimos novos sabores e novos personagens, dando protagonismo a eles, e auxiliando os produtores na questão do manejo sustentável desses produtos”, afirma.
Paradoxo – O uso sustentável da biodiversidade para a alimentação e nutrição é uma solução que permite o aumento da qualidade de vida, sem danificar o meio ambiente. Apesar de muitas espécies nativas se reproduzirem gratuitamente, 90% da flora nativa do país não fazem parte da alimentação dos brasileiros.
Segundo Camila Neves Soares Oliveira, analista ambiental do Departamento de Conservação da Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente (MMA), “é um grande paradoxo estarmos no país de maior biodiversidade do planeta e termos uma dieta simplificada baseada em espécies exóticas”. Ao consumirem alimentos nativos, as pessoas ajudam a conservar a biodiversidade do Brasil, pois não costumam proteger aquilo que não conhecem. “Os alimentos da biodiversidade são ricos em micronutrientes (vitaminas e minerais) e têm baixa densidade energética, por isso são um forte aliado no combate ao duplo fardo da má nutrição, onde em um mesmo local, temos problemas com fome e obesidade”, ressalta.
O valor da Terra – As referências culinárias do chef Agenor Maiase iniciaram na infância e foram fundamentais para despertar seu interesse em seguir na gastronomia. Nascido no interior do estado de São Paulo, Agenor aprendeu desde cedo com a família o valor da cozinha e da terra. “Fui uma pessoa privilegiada na minha infância. Estudei numa escola que tinha ecologia na grade curricular. Isso despertou em mim o que é saudável, o que é natural”. Agenor saiu então do interior de São Paulo para morar no interior dos Lençóis Maranhenses, em Barreirinhas. “Tive contato com o natural desde cedo, com o selvagem. Desde muito cedo sei o sabor de um alimento que se produz com qualidade, de vegetais cultivados em casa, sei o valor disso”, explica.
Na safra de 2014/2015, Agenor comprou 50 quilos de castanha do pequi da associação de Januária. Na safra de 2015/2016 já foi obtido o dobro. “Dessa forma, consegui aumentar o valor do quilo. Sei que dá trabalho. Tem que fazer a extração das castanhas e a torrefação”, diz.
Agenor afirma que não só os alimentos da biodiversidade têm espaço garantido em seus pratos, como os orgânicos também. “Uso muito menos do que gostaria, e mais do que conseguiria. Montei um quebra cabeça para conseguir quantidade, qualidade e frequência com fornecedores”, destaca. Ao comprar um produto orgânico, a pessoa está optando por fazer parte de uma rede que acredita que o consumo responsável tem papel fundamental para a manutenção do meio ambiente e da sustentabilidade.
Benefícios – A chef Renata Carvalho, 32 anos, responsável pelos restaurantes brasilienses “Loca como tu madre” e “Anchô Bistrô de Fogo”, compartilha da filosofia de trabalho de Agenor Maia. “Eu penso muito no pequeno produtor, em estimular a agricultura familiar e local. Além disso, não dá para ignorar os benefícios dos produtos orgânicos e da biodiversidade para a saúde. Afinal, eles não contêm agrotóxicos e os pequenos produtores respeitam o tempo dos alimentos, fazendo a colheita apenas quando já estão maduros”, enfatiza.
Segundo Renata, promover esses produtos e as comunidades que os produzem é importante porque estimula-se a geração de renda dos agricultores familiares, que em geral não têm condições de competir no mercado.
Cozinheira desde os nove anos de idade, Renata nasceu em Brasília e sua família vem de fazenda, onde muitos ainda plantam e colhem o que consomem, inclusive arroz e feijão. “Estou sempre em contato com outros chefs que utilizam produtos orgânicos. Certa vez, estava em busca do cajuzinho-do-cerrado, e o chef Tonico Lichtsztejn, do 400quatrocentos, indicou a dona Ana, produtora de Padre Bernardo, em Goiás”, conta.
Uso sustentável – Desde então Dona Ana Maria Romeiro, 55 anos, da fazenda Taboquinha, é uma das fornecedoras da chef. Dona Ana e seu Silas produzem frutas nativas há 10 anos, como jatobá, cajuzinho do cerrado e cagaita, além de outros produtos diferenciados como a pimenta-de-macaco, que vem sendo difundida mais recentemente na gastronomia. Lembra pimenta-do-reino, mas menos picante e com perfume de canela e cravo. “Há sete começamos a produzir doces e licores. Buscamos um produto limpo, bom e justo”, afirma Ana. Além de fornecer produtos para Renata, o casal também entrega para os restaurantes Francisco, Olivae, 400Quatrocentos, Oliver e para a Central do Cerrado, cooperativa que vende produtos do bioma.
O Ministério do Meio Ambiente (MMA), ponto focal da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) no Brasil, coordena a execução de diversos projetos relacionados à promoção do uso sustentável dos componentes da biodiversidade. Várias iniciativas relacionadas a essa temática estão sendo conduzidas no ministério, a exemplo do projeto Biodiversidade para Alimentação e Nutrição – BFN (sigla em inglês), que é coordenado internacionalmente pelo Bioversity Internacional e tem como agências implementadoras o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).
O objetivo básico do projeto é a conservação e a promoção do uso sustentável da biodiversidade em programas que contribuam para melhorar a segurança alimentar e a nutrição humana. Ao mesmo tempo, o projeto busca valorizar a importância alimentícia e nutricional das espécies relacionadas à biodiversidade agrícola e resgatar o valor cultural desempenhado no passado por muitas dessas espécies. Ademais, visa à ampliação do número de espécies nativas utilizadas atualmente em nossa alimentação, à mitigação dos problemas relacionados à dieta simplificada e ao fortalecimento da conservação e do manejo sustentável da agrobiodiversidade, especialmente por meio da incorporação de ações de transversalidade em programas e estratégias de segurança e soberania alimentar e nutricional. (Fonte: MMA)